Negativos
Fuligem Poética
Negativos
Uma página com alguns dos poemas da negação do eu e dos outros.
Isaias Carvalho (2010)
Morte a mim!
Morte a mim!
Para os outros, a morte é pouco.
Patético: acusam-me de colorir em excesso
o drama comezinho.
Denunciam meu fingimento de louco,
como se fosse euzinho uma puta espanhola,
um jumento a carregar um mártir cristão
ou, então, uma gruta habitada por histéricas.
Quando se retirar?
A cena pede novos atores.
A pena é ficar?
Morte a mim!
Para os outros, meus restos.
Inadequação
Inadequado: poeta de um pathos só.
Dos pouco mais de mil versos que compôs,
restaria apenas um, em resumo:
Inadequado: poeta de um pathos só.
Potássio
Sobrevivo como se uma tragédia sempre iminente.
Os cabrestos da cultura,
escravatura de símbolos,
torrente de gestos e comédia humana.
Cativo, passivo; sepultura, restos.
Um banana!
Estes (1997)
Não
Um não pleno de nasalidade e redondura.
O não de tudo, às vezes pintado de sim.
É esse mesmo não que guardo para mim
como a grande lembrança de seu amor fora da moldura.
Teoria da evolução
Humanidade – peste na superfície da terra,
epidemia ôntica,
gangrena cognitiva.
Ainda bem!
Tivessem os dinossauros vencido!...
Galeria
Na prateleira da humanidade,
postos em pilhas ou lado a lado:
uma pluralidade de pequenos deuses,
estereótipos e tropos,
rótulos e restos.
E aquele porta-retrato vazio, o que porta?
Desejos
Descrever a imensa fila dos que esperam em vão.
Tarefa de tolos:
os da fila e os que a descrevem.
Fila na qual se entra,
mas nunca.
(in)versos (1999)
poéticos acadêmicos parentéticos
© 2009 isaiasfcarvalho@gmail.com
Itabuna/Ilhéus, Bahia, Brasil
Imagens: Wellington Mendes da Silva Filho