químicos

Ilustrações e Capa

Wellington Mendes

Planejamento Gráfico

João Soares

Revisão

Rita Aragão Matos

Colaboração

Dilson Midlej

Andréa Toledo

Jamyson Goes

Edição do Autor

Salvador, 1999

(in)versos

Isaias Carvalho (1999)

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III

Químicos

O Amor Tem Cheiro

Tantos usam esse perfume,

mas é em ti que ele se assume,

pois que o olfato não está nas narinas.

Está no desejo simples e vital

de quando precisar de mim mesmo,

hei de te procurar e te cheirar.

Que se não for poema, conto, cantiga, sentença de morte ou romance,

seja puro texto perfumando de ti, de tua nuance,

na qual debruço o meu nariz de ser o que sempre quis.

E já não se trata de perfume ou escritura,

mas de uma vontade claro-escura de tudo em ti.

Suspiro.

Fuligem Poética

Vegetal

Essa árvore me lembra uma donzela de outrora.

Uma donzela de pernas pro ar.

Cabeça e cabelos, suas raízes.

Seu sexo envolto em panos fartos, a copa.

Quando bate o vento

(mancebo ousado a lhe bolinar),

abre as pernas

- perdão! Os galhos.

Quando também for um vegetal,

desposarei essa árvore.

Mas hoje mesmo penetrarei inteiro

sob suas opulentas vestes vitais,

que para gozá-la, eu sei,

diversamente do humano tronco,

quanto mais roupa, mais.

Declaração

a Cláudia

O amor verdadeiro, se,

quer devorar a carne, sugar o vermelho, roer o cálcio,

estrangular a alma e gozar em espasmos insanos.

Até que não exista mais o outro, o limite,

o que excita e se faz cio.

Eu te amo. Eu acho.

Estes

Pedras

a Carlos Drummond de Andrade

Pedras. Pedras esbranquiçadas. Pedras pretas.

Íngremes. Intermináveis. Pedras.

Pontiagudas. Solitárias. Várias.

Pendurado a uma pedra.

Quebrarei as pernas.

Serei pedra. Só.

Ecos dos meus não-gritos.

Caio.

Uma música insólita sopra. Sinto pedras.

Em que rocha ficou a minha dor?

Sou pedra.

Ah, poeta,

não há uma pedra no meio do caminho. O caminho é pedra.

Há um caminho no meio das pedras. Que leva às pedras. E só.

Pedro, Pierre, Petrus, Pedras...

Penetrei no átomo de uma pedra.

Visitei seus contornos, desenhos em livros de química.

Escolhi um elétron louco e o invadi.

Encontrei um planeta inteiro,

ligeiro, solitário,

onde havia uma pedra,

a qual atravessei, etéreo,

para ver-me - verme - neste lugar,

onde agora laboro indefinições.

Penetrei no átomo de uma pedra:

meu ser.

Alma e Lama

Quando um “a” e um “l” bailam,

alma e lama:

amálgama.

Influenza

É se afogar no seu próprio próprio,

sugar o nada pastoso de dentro para dentro,

suspender um pouco o já pouco.

É quase ficar louco.

Abafada construção do desconforto.

Tonta máquina de espalhar vírus.

Uma aspirina, ou logo estarei morto!

Atchim! Cadê a saúde?

Minha cama, meu ataúde.

Versos a Quatro Mãos Vazias e Ébrias

a Xico

A ordem, o começo, não sei.

Uma idéia antecede o que escrevo

ou escrevo o antes da idéia?

Qual a ordem, qual a obra?

A ordem é morrer, é deixar o que não nos deixa,

é saber dizer “não sei”.

É não saber dizer:

divagações, digressões...

O que resta? O resto, a réstia.

Por não ser certo, sou perto e longe. Qualquer.

Um verso com lama me chama.

Vou calar o grito.

Silêncio. Silencio.

Parei.

Pari.

Da Poesia Obesa

Não gozo com versos longos

ou com rimas gordurosas.

Poesia - os maribondos

deixam marcas dolorosas.

Poemas tão dinossáurios

fatigam e dizem pouco.

Uso óbvio metro falsário,

pois que todo metro é torto.

Tal volume e simetria,

nome, mas pouca magia.

Viva o reto, o curto, o corte!

Excesso é disenteria,

resto, surto, hemorragia.

A prolixidade, a morte.