cronológicos

Ilustrações e Capa

Wellington Mendes

Planejamento Gráfico

João Soares

Revisão

Rita Aragão Matos

Colaboração

Dilson Midlej

Andréa Toledo

Jamyson Goes

Edição do Autor

Salvador, 1999

(in)versos

Isaias Carvalho (1999)

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I

Cronológicos

Eis-me, janela para outras janelas,

rabiscando palavras para outras palavras.

Versos caem pedra sobre pedra

sobre homens,

com os quais não conto para o combate.

De fato, não sou arauto

de povos e jovens utopias,

nem de mim mesmo ou dos meus.

Prego mais uma vez a morte da poesia e de toda arte.

Que se precisa de muita incerteza

para não se calar de pronto

tal afã de viver o inverso em versos.

Saio. Vou encontrar poemas.

Estes

Revisitado

Retirada

Fuligem Poética

Cronológico

Era o funeral da última musa.

Acorreram escassos poetas,

pequenos todos,

pois grandes mais não há.

Se já.

Vi um homem

velho,

sentia dor.

Vi um homem

louco,

senti a dor.

Um velho cão

moribundo,

odor.

Vi um espelho,

vi-me

cão louco e velho.

Estes

Fogo

Quando jovem, incendiário.

Hoje, bombeiro.

No mais,

escudeiro quase fiel dos meus quereres infantis.

Sonhava desbravar o fora do útero,

provar da terra e dos fenômenos básicos,

criar verbos e belos genes,

desafiar os mestres e ser um,

explorar o corpo e a alma desvairadamente.

Tantos feitos e desfeitos.

Não me bastam.

O que satisfaz um homem?

O infinito? A morte certa? A vaga dádiva de viver?

Talvez me baste organizar o próprio funeral,

construir a própria tumba.

Uma morte generosa pode ser o bem supremo. Ou o mal.

Quando jovem, incendiário.

Hoje, bombeiro.

Amanhã, cinzas.

Corredores

Grandes canais me passaram

e ainda.

A vida, cada vez mais vaga,

vaga por alamedas tortuosas

de ser e de morte.

Um corredor, espaço de espaços,

de cor e dor. De tanto.

Já não mais me assustam os becos

secos e seus regos putrefatos.

Os túneis sem luz nem trevas.

No final: mais túneis.

Choro. Os olhos ocos.

Não sei porque o faço.

Se choro pelos sulcos sem sementes do cotidiano.

Se pelas entranhas azuis infinitas entre nuvens esparsas.

Se pelos estreitos intransponíveis entre mim e o outro.

Se pelo púbico entre coxas ainda não acariciadas.

Nem sei ao certo se choro ou se chora

o corredor no qual me prostro:

o agora.

Da Gênese da Linguagem e de Depois

No princípio era o nada.

Veio o verbo, então,

para que falássemos do amor.

E já fomos líricos, épicos, tísicos, dramáticos,

escolásticos, renascidos, renascentistas, barrocos,

tortos, loucos, poucos. E não é tudo.

O que somos hoje não é o meio, o princípio

nem o fim, que deste não se sabe.

O que hoje somos não chega a sê-lo e já o foi.

Do amor se fala, mas o que é?

O vasto e sensual nonsense.

Gênese Arrependida

É o oitavo dia.

Por que sujar hoje a criação?

Meu trabalho resultou inútil e é tarde demais.

Cerrarei os olhos.

Doarei meu sonho e meu sangue ao acaso.

Apenas não esqueçam:

façam o que eu digo,

não façam o que eu falso.

Aos meus irmãos

1994-1999 (sempre inacabado)

Erguerei um sonho

para além dos cenhos dos meus irmãos.

Abrigará minhas rimas, minhas alucinações.

Erguerei um monumento

aos sonhos dos meus irmãos

para além dos seus cenhos.

Representará os meus verbos, meus insubstantivos.

Erguerei um muro

da altura dos cenhos dos meus irmãos.

Revolucionários e rebeldes lerão meus adjetivos, minhas despronominações.

Erguerei meus desejos

para além desse muro,

tanto que, quando apenas escombros,

sejam memória os sonhos dos meus irmãos

e façam sonhar a história.

(des)Conhecidos

Conheci o meu pai, trabalhador da terra.

Minha mãe, simplesmente.

Irmãos, caminhos.

Conheci putas e seu ofício.

Conheci um poeta, só.

Conheci a mãe dos meus filhos, que não conheci.

Conheci o presidente, o príncipe, o estudante, o engenheiro, o médico, o soldado, o religioso, o ladrão, o professor.

Conheci vizinhos. Amigos?

Já os convidei à adega.

Conheci o espectador, o leitor, o consumidor.

Já fui massa com eles.

E o amor espalhado nos conhecidos, espelhados nos que não conheci.

Conheci mesmo o amor?

Conheci o viajante, o eremita, o monge.

Já contemplei mistérios com eles.

Mistérios? Não me conheci. Faltou tempo.

Versos Brancos e Outros nem Tanto – Apresentados por um Longo Título Entediante e Permeados por um Certo Misticismo e por uma Lucidez Coniventes - para as Cidades e para o Povo do Brasil do Fim do Século do Fim das Velhas Utopias (Quantidade de Preposições Utilizadas até Aqui: 12)

Eretas, as estruturas concretas se mantêm.

Apontam para um céu de firme beleza.

Aleluia! Suas terras não tremem.

As guerras lhes são escassas e veladas muitas. A natureza lhes faz bem.

Ainda, Caminhas e tantos reis os estupram em seu imaginário

- primeira metáfora de carne, osso, sangue e tateável sacanagem.

Com líderes que não os lideram, mas a seus próprios umbigos (amigos), amém!

Eis um milagre imponderável: seres vivos, aí, se movem.

Humanos e outros vermes exercitam uma convivência implausível.

É um milagre da falsa ternura harmoniosa que a tudo fura e corrói.

Quase uma aberração de precedentes sem.

Resistem.

Um milagre. E daí, meu bem?

Exílio

Ergo uma muralha de rotina dispensável,

uma fortaleza de hostilidade mansa.

Aquelas rosas dançantes no jardim nunca entrarão,

permanecerão pedintes em vão balanço

até que despetalem silentes.

Vivo de bocejos.

Grito para calar os monstros - os desejos.

Sonho em voz alta para calar os anjos - os desejos.

Talvez sonhe comigo mesmo, mas acordo sem o saber,

assim como tantos poemas morrem em intenção.

Me lembro que o mundo está cheio de outras coisas.

Que é preciso calar um pouco e se fazer conjeturar.

Que a coisa mais misteriosa que o sol pode cobrir é...

Rimbaud emudeceu.

Tempo e Espaço

O passado cairá do espaço.

Latas, metais,

tantos pedaços que o tempo,

o tempo perderá o passo.

O espaço ficará vazio mais uma vez

e o passado, quem sabe,

descansará em paz.

Assim Como

Assim como há homens em corpos femininos e mulheres em perfis de homem;

assim como há tantas pessoas naquele famoso português;

assim como não veio quase nada de novo após ele;

assim como aquele se matou;

assim como aquele outro é racista, fascista e presidente;

assim como deus é plural;

assim como o mar massageia os banhistas com o sal e os restos,

serei reto:

se queres ser um bom banquete para os vermes,

é preciso que vivas assim como.

Para Ciro

Ao te ver pelas lentes do tempo,

me convenço:

o adulto é um príncipe virando sapo.

Trespassado de momento,

quando penso ser grande, olho o mar;

quando penso ser forte,

te avisto e grito:

animais e crianças do mundo, uni-vos!

Às Vanguardas

Voltemos às figuras!

Um soneto, um haicai, os sapos.

A morte dos paradigmas – em farrapos –

pode ser uma corruptela,

um golpe dos não-inspirados.

Uma loucura passageira?

Procuro ainda a voz que me pertence,

em um verão (além dessas paisagens e dessa sujeira),

onde me espero em mansidão latente.

Calvície

O tempo explora a minha cabeça.

Entradas e bandeiras pela testa. Careca.

Não só por essa,

morro já.

Heranças

Meu diálogo com os que vieram antes se faz pelo verso...

Dos de hoje? Não sei a língua.

Se há uma, não é a (minha) poesia...

Quanto aos de amanhã, só o tempo se faz sucesso.

Trocrocodilhos para a Segunda Pessoa Moribunda

Se tu viesses,

eu virilha.

Se tu para sempre fores,

eu furores.

Se tu queres,

I care.

Se tu sentes,

eu sento.

Se tu mentes,

eu menta.

Se tu foges,

eu fogo.

Se tu me amas,

eu mamo.

Se tu me mordes,

eu miau!

Se tu existisses de fato,

eu foto.

Mas se já és terceira pessoa,

eu passo.

Ermas Rotas

Muros caídos deixo para trás.

Adiante não há pedras para reconstruí-los.

Encontrarei palavras sólidas?

Sólidas para erguer a nova cerca acerca do sentido?

Sobre mim cai uma palavra japonesa. Não falo japonês.

Seria a palavra primeira, dura?

Enquanto isso, na sede do caminho,

a eternidade me é servida em gotas de tédio.

(in)versos