Doses de saber

Doses de Saber

Resenhas e Resumos

Isaias Carvalho 2010

Ressignificação do termo diáspora – os intelectuais

Homi Bhabha, Gayatri Spivak e Edward Said são exemplos de intelectuais diaspóricos no sentido específico do termo no âmbito da Crítica Cultural, mais precisamente no campo dos estudos culturais pós-coloniais. Numa perspectiva comungada por outros diaspóricos como Paul Gilroy, Derek Walcott e Stuart Hall, ser diaspórico é estar na dimensão das identidades sempre incompletas, dispersas geográfica e culturalmente, dispostas em um meio-termo entre valores dominantes ressignificados e uma origem (racial, étnica, religiosa, etc) não mais essencializada, deixando abertos os caminhos para novas formas de apreensão e negociação com o texto do mundo. Vale a pena anotar que a Diáspora é, de um modo geral, a dispersão de membros de uma nação ou cultura particulares, mas também foi a dispersão dos judeus em tempos remotos antes de Cristo, bem como ainda hoje; foi ainda a dispersão violenta de africanos como escravos para o Novo Mundo; e tem sido a mais recente dispersão de intelectuais dos países “periféricos” em direção às metrópoles.

Dos perigos de se metaforizar com um termo já tão marcado ao longo da história, talvez o mais problemático seja o de se “limpar” o diaspórico de algumas de suas marcas mais profundamente enraizadas, a saber: o caráter de um deslocamento forçado e a nostalgia e promessa da terra prometida. O diaspórico como vislumbro aqui não é teleológico nem implica (mesmo que não elimine) banimento territorial. Utilizo “diaspórico” como uma metáfora que, assumindo o sentido de dispersão territorial acima, é adicionada de um olhar ampliado para abranger todo posicionamento intelectual que hoje possa lidar com objetos estrangeiros a um campo ou lugar de enunciação específicos, a partir dos quais o intelectual (o pesquisador, o estudioso, o artista, o crítico, etc) fala e se posiciona. Mesmo que se referindo à cultura caribenha, e portanto a uma diáspora africana, a delimitação que Stuart Hall faz desse termo se adapta muito bem ao propósito de ressignificação conceitual proposto para o caso caetaneano:

A experiência da diáspora como a intenciono aqui é definida não pela essência ou pureza, mas pelo reconhecimento de uma diversidade e de uma heterogeneidade necessárias; por uma concepção de ‘identidade’ que vive com e através, não a despeito, da diferença; pelo hibridismo. As identidades diaspóricas são aquelas que estão constante e renovadamente se produzindo e se reproduzindo, através da transformação e da diferença (HALL, 1994, p. 401-2).

Nesse sentido, o intelectual se coloca ao mesmo tempo perto e distante, dentro e fora, familiar e estranho aos objetos que eventualmente toma para análise e que estejam para além das fronteiras de seu suposto campo de formação. Em entre-lugares, para convidar também Homi Bhabha (1998), que informam a subjetivação – individual ou coletiva – no ato de definir a própria idéia de sociedade. Assim como Stuart Hall, eu utilize esse termo aqui metaforicamente, não literalmente (HALL, 1994, p. 401).

É, pois, sobre o pano de fundo do “entre-lugar", especialmente "do discurso latino americano”, como proposto por Silviano Santiago, que coloco essa atitude diaspórica para além da (mas englobando-a) questão do papel do intelectual diante do relacionamento entre nações que se inserem na mesma cultura do Ocidente, mas com status econômico desigual. Centro o foco no espaço mesmo da atuação desse intelectual a partir de onde fala, de seu lugar de diferença. O diaspórico, assim como o que se coloca no entre-lugar de Silviano, sabe que estará brincando com os signos de um outro, de uma outra obra, mas o que importa é a tradução transformadora desses signos em novos contextos, sem a noção de déficit em relação a um “centro” (SANTIAGO, 2000, p. 9-26).

Mas uma pergunta desafia: o que o “diaspórico” traria como suplemento para o entre-lugar de Silviano Santiago e a diáspora de Stuart Hall na caracterização de intelectuais contemporâneos? É o impulso de síntese (consciente da impossibilidade de fechamento cabal) dessas noções (e de outras) que faz desse esforço um exercício válido. Apontando que uma postura diaspórica sintetiza idéias como hífen, entre-tempo, interstício, limiar. Só que agora não mais como um posicionamento apenas de (des)encontros culturais conflitivos entre grupos, mas relações que, mesmo perpassando a questão do choque entre "comunidades", traz o embate produtivo do encontro entre campos de conhecimento, entre estruturas distintas de pensar o homem e a cultura. E essa postura diaspórica pode ser assumida e encarada por intelectuais de vários matizes, pois o diaspórico é engajado e comprometido. Ele quer influir na sociedade. Mas é

comprometido com o quê? (...) é um sinal de maturidade política aceitar que haja muitas formas de escrita política cujos diferentes efeitos são obscurecidos quando se distingue entre o "teórico" e o ‘ativista’ (BHABHA, 1998, p. 46).

Nesse mesmo sentido, o diaspórico tem em si a postura do "intelectual orgânico" gramsciano como ressignificado por Stuart Hall (1994) e Frederic Jameson (1994), por exemplo. Um intelectual que se sabe parte da cultura em que se contextualiza – uma figura pública, mas que também tem noção de qual instância de poder participa, "já que é uma função mediada pela geopolítica, e seu valor é conferido pelo próprio sistema mundial e pelo [seu] posicionamento nele" (JAMESON, 1994, p. 47). O diaspórico sabe que se presta a assumir diferentes papéis e posições, cada um se sobressaindo em relação aos demais em contextos distintos. É um teórico ativista. É um ativista teórico, em um estágio de atuação em que a postura pós-moderna já está suficientemente antropofagiada pelo intelectual que se quer diaspórico.

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