FOUCAULT, Michel. O que é um autor?

Fichamentos bibliográficos diplomáticos de Isaias Carvalho

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FOUCAULT, Michel. O que é um Autor? Coleção Passagens, Vega, Lisboa, 1992. 161 p.

p.5-28 A lição de Foucault José A. Bragança de Miranda e António Fernando Cascais

p.6 Pesquisa insana que alimenta as academias de letras, essa de investigar o ininvestigável: o que fica fora do nome, o gesto da escrita, a paixão que não se vê na letra impressa.

p.12 (...) a biografia procura dominar esta relação, apresentando como sujeito absoluto o que é apenas um sujeito possível.

p.20 Corolários do Sujeito metafísico, “autor”, “livro” e “obra” eram expressões da humanidade do Homem moderno que tinham escapado ao gesto destruidor de As Palavras e as Coisas. O que é um Autor pretende precisamente continuar o programa anti-humanista da arqueologia das ciências humanas que proclamava que o homem não é o mais velho problema nem o mais constante que semn tem posto ao saber humano, mas antes uma invenção recente, tão votada ao desaparecimento como à beira do mar um rosto de areia. Trata-se, para Foucault, de avaliar as repercussões teóricas, não totalmente exploradas, de temas contemporâneos como o do desvanecimento do sujeito escritor na sua própria escrita e o da relação entre a escrita e o a morte, a obliteração dos sinais da individualidade num labor de morte como é o da escrita.

p.29-87 O que é um Autor {um debate/uma comunicação de Foucault à Societé Française de Philosophie, em 1969}

p.32 (...) o problema não consistia em descrever Buffon ou Marx, nem em restituir o que eles tinham dito ou querido dizer: procurava simplesmente encontrar as regras pelas quais eles tinham formado um certo número de conceitos ou de teorias que se podem encontrar nas suas obras.

p.33-4 Deixarei de lado, pelo menos pela exposição desta tarde, a análise histórico-sociológica da personagem do autor. {segue uma seqüência de temas...}

p.34 {1} Peço emprestada a Beckett a formulação para o tema de que gostaria de partir: “Que importa quem fala, disse alguém, que importa quem fala”. p.35 (...) Primeiro, pode dizer-se que a escrita de hoje se libertou do tema da expressão: só se refere a si própria, mas não se deixa porém aprisionar na forma da interioridade; identifica-se com a sua própria exterioridade manifesta. O que quer dizer que a escrita é um jogo ordenado de signos que se deve menos ao seu conteúdo significativo do que à própria natureza do signifacante; mas também que esta regularidade da escrita está sempre a ser experimentadas nos seus limites, estando ao mesmo tempo sempre em vias de ser transgredida e invertida; (...) Na escrita, não se trata da manifestação ou da exaltação do gesto de escrever, nem da fixação de um sujeito numa linguagem; é uma questãod e abertura de um espaço onde o sujeito de escrita está sempre a desaparecer.

p.35 {2} O segundo tema é ainda mais familiar; trata-se do parentesco da escrita com a morte. P.36 (...) A nossa cultura metamorfoseou este tema da narrativa ou da escrita destinadas a conjurar a morte; a escrita está agora ligada ao sacrifício, ao sacrifício da própria vida; apagamento voluntário que não tem de ser representado nos livros, já que se cumpre na própria existência do escritor. A obra que tinha o dever de conferir a imortalidade passou a ter o direito de matar, de ser a assassina do seu autor.

p.37 (...) parece-me que um certo número de noções que hoje se destinam a substituir-se ao privilégio do autor acabam por bloqueá-lo, fazendo esquecer o que deveria ser evidenciado. {ele aborda apenas duas/três? dessas noções} p.37-38 {A} Primeiro, a noção de obra. (...) “O que é uma obra? Em que consiste essa curiosa unidade que designamos por obra? Que elementos a compõem? Uma obra não é o que escreveu aquele que se designa por autor?” (...) Se um indivíduo não fosse um autor, o que ele escreveu ou disse, o que ele deixou nos seus papéis, o que dele se herdou, poderia chamar-se uma “obra”? Se Sade não foi um autor, que eram então os eus papéis? Rolos de papel sobre quais, durante os dias de prisão, ele inscrevia os seus fantasmas até ao infinito. P.38-39 {B} (...) um autor: será que tudo o que ele escreveu ou disse, tudo o que ele deixou atrás de si, faz parte da sua obra? É um problema simultaneamente teórico e técnico. (...) Mas quando, no interior de um caderno cheio de aforismos [de Nietzsche], se encontra uma referência, uma indicação de um encontro ou de um endereço, um recibo de lavandaria: obra ou não? Mas por que não? E isto indefinidamente. Como definir uma obra entre os milhões de vestígios deixados por alguém depois da morte? A teoria da obra não existe, e os que ingenuamente empreendem a edição de obras completas sentem a falta dessa teoria e depressa o seu trabalho empírico fica paralisado. p.39 (...) A palavra “obra” e a unidade que ela designa são provavelmente tão problemáticas como a individualidade do autor. P.39 {C} (...) outra noção que bloqueia a verificação do desaparecimento do autor e que de algum modo retém o pensamento no limiar dessa supressão; com subtileza, ela preserva ainda a existência do autor. É a noção de escrita. (...) De acordo com o estatuto que se dá actualmente à noção da escrita, está fora de questão, com efeito, quer o gesto de escrever, quer qualquer marca (sintoma ou signo) do que alguém terá querido dizer; esforçamo-nos por pensar com notória profundidade a condição de qualquer texto, simultaneamente a condição do espaço onde se dispersa e do tempo em que se desenrola. P.40-41 (...) atribuir à crítica um estatuto originário, não será uma maneira de retraduzir em termos transcendentais, por um lado, a afirmação teológica do seu carácter sagrado e, por outro lado, a afirmação crítica do seu carácter criador? Admitir que a escrita está, em certa mediada pela própria história que ela tornou possível, submetida à prova do esquecimento e da repressão, não será representar em termos transcendentais o princípio religioso do sentido oculto (com a necessidade de interpretar) e o princípio critico das significações implícitas, das determinações silenciosas, dos conteúdos obscuros (com a necessidade de comentar)? Enfim, pensar a escrita como ausência não será muito simplesmente repetir em termos transcendentais o princípio religioso da tradição, simultaneamente inalterável e nunca preenchida, e o princípio estético da sobrevivência da obra, da sua manutenção para além da morte e do excesso enigmático relativamente ao autor? P.42 O que é um nome de autor? E como funciona? // (...) O nome próprio (tal como o nome de autor) tem outras funções que não apenas as indicadoras. É mais do que uma indicação, um gesto, um dedo apontado para alguém; em certa medida, é o equivalente a uma descrição. P.45 (...) um tal nome permite reagrupar um certo número de textos, delimitá-los, seleccioná-los, opô-los a outros textos. Além disso, o nome de autor faz com que os textos se relacionem entre si (...). p.46 A função autor é, assim, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade. {Foucault reconhece 4 carcterísticas diferentes (pelo menos) para a função “autor”} p.56 {1} (...) a função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que encerra, determina, articula o universo dos discursos; {2} não se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre todos os discursos, em todas as épocas e em todas as formas de civilização; {3} não se define pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas através de uma série de operações específicas e complexas; {4} não reenvia pura e simplesmente para um indivíduo real, podendo dar lugar a vários “eus” em simultâneo, a várias posições-sujeitos que classes diferentes de indivíduos podem ocupar. P.51 {em relação à característica 3} (...) para se “reencontrar” o autor na obra, a crítica moderna utiliza esquemas muito próximos da exegese cristã quando esta queria provar o valor de um texto através da santidade do autor. {na p.52, São Jerónimo apresenta 4 critérios para autenticar um autor – INTERESSANTE} P.53 O autor é igualmente o princípio de uma certa unidade de escrita, pelo que todas as diferenças são reduzidas pelos princípios da evolução, da maturação ou da influência. // (...) Em suma, o autor é uma espécie de foco de expressão, que, sob formas mais ou menos acabadas, se manifesta da mesma maneira, e com o mesmo valor, nas obras, nos rascunhos, nas cartas, nos fragmentos, etc. ´p.55 Seria tão falso procurar o autor no escritor real como no locutor fictício; a função autor efectua-se na própria cisão -–nessa divisão e nessa distância.

p.66 O reexame do texto de Galileu pode muito bem mudar o conhecimento que temos da história da mecânica, mas nunca mudar a própria mecânica. Em contrapartida, o reexame dos textos de Freud modifica a própria psicanálise, tal como sucede com o reexame dos textos de Marx relativamente ao marxismo. Ora, para caracterizar tais retornos, é preciso acrescentar um último atributo: eles fazem-se na direcção de uma espécie de costura enigmática da obra e do autor. De facto, é enquanto texto de um autor particular que um texto tem valor instaurador e é por isso, porque se trata do texto de um autor, que é preciso regressar de novo a ele. P.70 (...) trata-se de retirar ao sujeito (ou ao seu substituto) o papel de fundamento originário e de o analisar como uma função variável e complexa do discurso. P.70-1 Podemos imaginar uma cultura em que os discursos circulassem e fossem recebidos sem que a função autor jamais aparecesse. (...) desenrolar-se-iam no anonimato do murmúrio. Deixaríamos de ouvir as questões por tanto tempo repetidas: “Quem é que falou realmente? Foi mesmo ele e não outro? Com que autenticidade, ou com que originalidade? E o que é que ele exprimiu do mais profundo de si mesmo no seu discurso?” E ainda outras, como as seguintes: “Quais são os modos de existência deste discurso? De onde surgiu, como é que pode circular, quem é que pode se apropriar dele? Quais os lugares que nele estão reservados a sujeitos possíveis? Quem pode preencher as diversas funções do sujeito?” E do outro lado pouco mais se ouviria do que o rumor de uma indiferença: “Que importa quem fala”. {segue a fala de Jean d’Ormesson no debate. Ele resume um pouco do conceito de INSTAURADOR DE DISCURSIVIDADE} p.72 (...) fiquei absolutamente ciente, porque tenho a impressão que, numa espécie de prestidigitação extremamente brilhante, aquilo que Michel Foucault retirou ao autor, isto é, a sua obra, reenviou-lho com interesse sob o nome de instaurador de discursividade, já que não somente lhe devolve a sua obra, mas também a dos outros.{segue a fala de L. Goldmann} p.73 (...) estou inteiramente de acordo sobre o facto de não ser Michel Foucault o autor, e certyamente também não o isntaurador, do que acaba de nos dizer. Porque a negação do sujeito é hoje [1969?] a idéia central de todo um grupo de pensadores ou, mais exactametne, de uma coretned filosófica. E se, no interior dessa corrente, Foucault ocupa um lugar particularmente original e brilhante, é necessário, no entanto, integrá-lo naquilo que poderíamos chamar a escola francesa do estruturalismo não genético e que engloba, nomeadamente, os nomes de Lévi-Strauss, Roland Barthes, Althusser, Derrida, etc. {ainda Goldmann} p.74-5 Quando colocamos o problema “Quem fala?” há hoje nas ciências humanas pelo menos duas respostas que, rigorosamente opostas uma à outra, recusam a idéia tradicionalmente aceite do sujeito individual. A primeira, a que chamarei estruturalismo não genético, nega o sujeito, que substitui pelas estruturas (lingüísticas, mentais, sociais, etc.) e apenas deixa aos homens e ao seu comportamento o lugar de um papel, de uma função no inteiror de tais estruturas que constituem o ponto final da investigação ou da explicação.

Por seu lado, o estruturalismo genético recusa também, na dimensão histórica e cultural de que faz parte, o sujeito individual; não suprime, contudo, da mesma maneira radical a idéia de sujeito, mas substitui-o pela idéia do sujeito trans-individual. Quanto à s estruturas, longe de aparecerem como realidades autónomas e mais ou menos últimas, nesta perspectiva elas são apenas uma propriedade universal de toda a “praxis” e de toda a realidade humana. Não há factos humanos que não sejam estruturados nem estrutura que não seja significativa,, isto é, que enquanto qualidade do psiquismo e do comportamento de um sujeito, não preencha uma função. Sem suma, há três teses centrais nesta posição: há um sujeito; na dimensão histórica e cultural, este sujeito é sempre trans-individual; toda a actividade psíquica e todo o comportamento do sujeito são sempre estruturados e significativos, isto é, funcionais. {Foucault responde} p.80 A primeira coisa que direi é que nunca empreguei, pela minha parte, a palavra estrutura. Se a prcurarem em Les Mots et les Choses, não a encontrarão. Entaõ, gostaria que todas as facilidades sobre o estruturalismo não me fossem imputadas ou que as justificassem devidametne. Mais: não disse que o autor não existia; não disse e admiro-me que o meu discurso se tivesse rpestado a semelhante contra-senso. (...) o autor deve apagar-se ou ser apagado em proveito das formas próprias aos discrusos.

A Vida dos Homens Infames {infames com sem fama / tomei pouca nota sobre o restante do livro, a partir desse ponto e especialmente nesse ponto, pois não me pareceram relevantes enquanto material para citação futura. Entretanto, enquanto trabalho empírico, é muito interessante} p.102 Vidas que são como se não tivessem existido, vidas que não sobrevivem senão do choque com um poder que mais não quis que aniquilá-las, ou pelo menos apagá-las, vidas que a nós não tornam a não ser pelo efeito de múltiplos acaso, tais são as infâmias de que eu quis juntar aqui alguns restos.

A Escrita de Si

p.131 (...) uma (...) analogia se coloca, referente à prática da ascese como trabalho não apenas sobre os actos mas, mais precisamente, sobre o pensamento: o constrangimento que a presença alheia exerce sobre a ordem da conduta, exercê-lo-á a escrita na ordem dos movimentos internos da alma; neste sentido, ela tem um papel muito próximo do da confissão ao director, do qual Cassiano dirá, na linha da espiritualidade avagriana, que deve revelar, sem excepção, todos os movimentos da alma (omnes cogitationes). ‘

{duas últimas notas que podem se referir a um possível texto sobre a APRENDIZAGEM do ato de escrever, criar textos...}

p.132 Nenhuma técnica, nenhuma aptidão profissional podem adquirir-se sem exercício; também não se pode aprender a arte de viver, a tekne tou biou, sem uma askesis, que é preciso entender como um adestramento de si por si mesmo: aí residia um dos princípios tradicionais aos quais, desde há muito, os Pitagóricos, os Socráticos, os Cínicos tinham dado grande importância. P.133

É Epicteto, que todavia não ministrou senão um ensino oral, insiste repetidas vezes no papel da escrita como exercíco pessoal: deve-se “meditar” (meletan), escrever (graphein), treinar (gymnazein); “possa a morte arrebatar-me enquanto penso, escrevo, leio” (EPICTETO, Diálogos, III, 5 (ii), trad. Franc. Souilhé (CUF).)

poéticos acadêmicos parentéticos

isaiasfcarvalho@gmail.com

Itabuna/Ilhéus, Bahia, Brasil

Imagens dos temas na base da página por: Wellington Mendes da Silva Filho