estes outros

Ilustrações e Capa

Wellington Mendes

Planejamento Gráfico

João Soares

Revisão

Conceição Paranhos

Rita Aragão Matos

Colaboração

Dilson Midlej

Luciano Paiva Nóbrega

Edição do Autor

Salvador, 1997

Estes

Isaias Carvalho (1997)

V

Estes Outros

Profundamente

a Manuel Bandeira

Quando eu tinha sete anos,

lembro que atravessava amiúde uma mesma ruela,

onde havia o labor

e fôlego das gentes.

Certo dia, senti nada

e uma vontade de apenas,

apenas, o invisível.

Senti que Deus morria

na vontade indizível

que me invadia.

Vontade de

deitar, deixar e dormir

profundamente.

Ainda há pouco,

ao perceber a integridade sonolenta

da massa que sou,

vi o mesmo fôlego das gentes lá fora,

e senti

que estou deitando, deixando e dormindo

profundamente.

Poema para meu filho

Pira de idéias

escurece mais.

Apodrece mais.

Depravada fênix

copula com o corvo de Poe.

Do pó

nasceu o verbo,

o rebento por larvas amamentado,

o genitor por vermes carcomido,

a maternidade do futuro sabe,

a cinzas,

a nada.

Das substâncias úteis

nutriu-se a esperança:

fúteis conquistas

na dança dos dias -

da poeira do sem-sentido

ao nó do tecido da terra.

Embora poucas guerras perdidas,

por ter vivido, ou, agora, fogo-fátuo,

nada ganhou esse herói,

senão a construção de novos homens, a ciência,

imagem mais fiel

da escuridão desse céu,

imensidão desse fim.

Cabeça de Terra

Pau bate pau,

lata,

coivara, vara,

pote.

Carro de boi,

vaca,

metal no solo,

buchudo no colo,

mulher buchuda,

feijão, buchada,

farinha,

forno de lenha,

barro,

lombrigas,

manga, jaca, caju, laranja, banana.

Donana de boi,

dona de boiada.

Menino já fui,

onde tinha goiabeira e muito mais.

Tenho terra na cabeça, nada mais.

Fechando as cortinas

Paralisam-se os engenhos humanos.

Apenas o silêncio

Passeia, alheio,

sobre crânios

reluzentes.

Shakespeare, moribundo,

ainda bate à minha porta:

um saco de ouro,

na outra mão uma pena.

Todas as vicissitudes humanas

escorrem-lhe da boca,

vermes

exigindo liberdade

As cortinas quedam-se cerradas,

nos assentos,

o que cala.

O espetáculo acabou,

e torna-se, em um instante,

difícil de continuar.

Fuligem Poética

Estes

(in)versos