Estes 1997

Ilustrações e Capa

Wellington Mendes

Planejamento Gráfico

João Soares

Revisão

Conceição Paranhos

Rita Aragão Matos

Colaboração

Dilson Midlej

Luciano Paiva Nóbrega

Edição do Autor

Salvador, 1997

Clique na figura a seguir para acessar o conteúdo do livro de poemas (in)versos

Estes

Isaias Carvalho (1997)

Tão tênue melodia

Que mal sei se ela existe

Ou se é só o crepúsculo,

Os pinhais e eu estar triste.

Fernando Pessoa

Estes (obra completa)

Isaías Carvalho, 1997

(in)versos (1999)

Prefácio

Isaías Carvalho (IC daqui por diante) decidiu-se por publicar seu primeiro livro de poemas – Estes. E é bom que o faça. Já pode fazê-lo. Acredito que não o renegará no futuro, como é comum a tantos poetas.

Voltemos ao estilo, entretanto. IC tende ao hiperbólico, mobilizando os níveis lingüísticos – do fônico ao morfo-sintático, ao lexical, ao semântico – em favor do verso e daquele verso, “o próximo verso,/que nunca se realiza” – conforme se lê em “Estética da Melancolia”, declaração de princípios poéticos do autor de Estes. Inclusive nos poemas em língua inglesa, na última seção do livro, pode-se perceber o retorcer-se, o esgar, a “lua cuspindo estrelas,/ferindo a escuridão” (“Poema sozinho”). A atmosfera geral do livro é toda de extremos, num movimento labiríntico do barroquismo, mas, também, caldeada pela exasperação tantálica de Augusto dos Anjos. “Então a vida, inflada,/arremessa, nesta tela parca,/o farto espectro das cores do nada” (“Cromatismo”); “Vampiros da metrópole,/eis um anjo/novo a seu dispor!” (“Anjo novo”); “Palavras de chama líquida,/arrastam-se. Milênios de criação,/recriação do sempre-mesmo” (“Poema sem carne”): os exemplos se encontram a cada passo. Por outro lado, surge a face do poeta – fingidor a encontrar trégua, apenas, no ato de escrever. Ainda bem que o jovem poeta sabe escolher suas leituras e tem consciência delas – é o que se infere de um modo lúdico-irônico ou irônico-lúdico que percorre Estes. Se imerge em Fernando Pessoa, em mais de um heterônimo, mas principalmente Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ele-mesmo – nesta ordem -, é para relê-lo em seu próprio contexto de época. Embora a solidão do eu se extreme, sem renunciar à tentação de dizer, é porque dizer é sobreviver e viver: “Sã e profunda a minha melancolia,/e vivo,/pois a poesia” (“Estética da melancolia”). IC demonstra assim, em Estes, algumas tendências que vêm se evidenciando - no que já denominei de “vintecentismo” – nos traços desse final de século: o sentimento de fronteira entre o eu e o mundo, o desamparo do indivíduo na sociedade eletronizada, o desfalecimento da ilusão de estar-no-mundo e estar-com-todo-mundo, via Internet, e a busca do passado para um futuro a ser instalado não se sabe quando. Estes é, nesse sentido, e já pelo título, um livro “pós-moderno” (as aspas são apenas um meio de redimir a expressão de tantos malentendidos em seu nome). Porém, apesar das diferenças contextuais entre ontem e agora, o ser humano continua a sofrer o que IC denomina “o não das coisas” (“Máscara”). Mas é do poeta o dever de exprimir o que não pôde ser dito pela maioria silenciosa. Quem é poeta sabe dessa experiência crucial.

Pois bem. Esse saber, se se começa a formá-lo pela palavra poética, atinge um sabor que a linguagem, ela-mesma, propicia. A linguagem como sedução, o poeta se semeia para o mundo (“Arado”) por meio do desejo do mundo e de sua formação em matéria linguística: dois pesos pesados que a lira faz dançar ao ritmo, às rimas, às assonâncias e aliterações, no mergulho rumo às possibilidades do código lingüístico, onde a poesia – código de código – se realiza e instiga o poeta a exceder-se na procura do texto que escreve sua individualidade meio ao desafio do cânone literário.

Creio que Isaías (e estou a profetizar a partir de um poeta com nome de profeta?) continuará a perseguir a próxima palavra, com rigor obstinado que deve ter o verdadeiro poeta: a palavra mais próxima do que poderá ser uma “estética da redenção” – movimento da poesia e das artes em geral, a perseguirem um estágio de integridade para o ser humano através da auscultação profunda do mundo e da linguagem.

Que Isaías tenha me pedido para apresentar seu livro, causa-me alegria. Conheci-o numa oficina que orientei, em 1994, na Fundação Casa de Jorge Amado. Oficina de poesia, denominada “De como lembrar-se”. O grupo de então continuou a se encontrar, por algum tempo, na própria Fundação, sob a proteção da madrinha da oficina, Myriam Fraga. Também em minha casa, algumas vezes. Pensamos em publicar os poemas da oficina e o grupo chegou a organizar a edição do livro, com Marcus Vinícius Rodrigues e Terezinha E. N. Teixeira à frente da editoração. Causas externas ao nosso desejo sustaram o projeto. Percalços do cotidiano. Mas creio que nenhum de nós esqueceu a experiência da oficina. Isaías, ele mesmo, disse-me há poucos dias que, para ele, a oficina continuou através destes três anos. Para todos nós, foi um momento de beleza: “A thing of beauty is a joy forever”, sem dúvida.

Agora surge Estes, no qual percebo que Isaías não deixou de trabalhar na sua própria oficina – esta, a definitiva prova dos nove para o poeta. Ele próprio, no momento, como professor da Associação Cultural Brasil-Estados Unidos – ACBEU, orienta a oficina “Poetry in the Classroom: Teaching more effectively through the Unteachable”. Um poeta sempre encontrará os meios de se encontrar com a Poesia, fascinando as próximas gerações.

Salvador, outubro de 1997.

O título do seu livro incide sobre a atenção do (possível) leitor: Estes. Que pode ser lido com a vogal inicial fechada ou aberta. Se [ê]stes, pensa-se – principalmente após ter lido o livro – no olhar além do eu para o outro. O outro da linguagem, na ânsia do poeta de expressar sua experiência no mundo. Mundo dos outros tornados próximos, interiorizados pelo eu que os mira – objetos, paisagens, pessoas, situações – e os rememora, rememorando-se. Se [é]stes, imagina-se o plural de horizontes. Horizontes a nascerem-se, metáfora para a atividade poética, busca de formar renovadamente o mundo informe, o que permite a [ê]stes e [é]stes tornarem-se sinônimos, guardando, contudo, a ambigüidade. Que é fônica e experiencial, já que IC situa-se num limiar, ponto de equilíbrio instável entre o falar e o calar, de onde o poeta irá procurar seu modo próprio de dizer a vida – território comum, a partir da língua – patrimônio comum: “Mas minha fala arde/de onde canto,/do limbo do desejo"("Ao leitor I"). A luta, entretanto, é a de sair do limbo, romper o casulo do silêncio, trabalhando no coração da língua, para torná-la diferenciada, pelo crivo do estilo individual. Desse modo, poder atingir a vida e expressá-la, reencontrando-se com a sociedade humana.

Fuligem Poética

Maria da Conceição Paranhos