(in)versos (poesia, 1999)
Do Autor
Ah! Meu caráter quase sem jaça
e sem graça também.
Não fossem meus parcos versos,
eu mesmo me diria:
- és ninguém!
Ilustrações e Capa
Wellington Mendes
Planejamento Gráfico
João Soares
Revisão
Rita Aragão Matos
Colaboração
Dilson Midlej
Andréa Toledo
Jamyson Goes
Edição do Autor
Salvador, 1999
(di)versos inversos
Décio Torres Cruz*
Fuligem Poética
Estes
Quem é Isaías Carvalho?
Isaías é um nome. Prenome de uma árvore sólida como as palavras que ele busca para a construção de seus versos. E árvores geram folhas (de papel) que um dia se transformam em poesia. Isaías é poeta, daqueles que transformam seu próprio nome em poema. Em nome do pai, mãe, e filho da poesia. Poeta sem adjetivos, pois ele os gasta para se inventar e descrever a condição humana: em busca de versos que signifiquem a vida do lado de fora das janelas da criação: a vida inventada, vida ao inverso, vida pelo avesso.
Não se assustem com a inversão dos títulos. O poeta caotiza forma e linguagem em trocadilhos múltiplos e polissêmicos, e termina pelo começo em uma “gênese arrependida”. Decretando a morte da poesia e dos grandes poetas, ele está na verdade querendo “criar verbos (...),/ desafiar os mestres e ser um”, inscrever seu nome na história das vanguardas e fazer com que a poesia continue viva, linguagem nascente a rolar por “corredores da gênese da linguagem e de depois”, assim como em um exílio do tempo e do espaço. Enquanto as cinzas do amanhã não chegam, ele segue compondo e decompondo versos como “lâminas afiadas” em “ermas rotas””, buscando palavras “(...) sólidas para erguer a nova cerca acerca do sentido” do poema original, perseguindo a eternidade “(...) em gotas de tédio”.
Note-se aí ecos implícitos de João Cabral e T.S. Eliot. Um poeta se conhece pelas suas leituras. E Isaías nomeia os seus mestres: Drummond, Pessoa, Dostoiévski. E deixa implícita toda a sua herança das vanguardas modernas e pós, pois trata-se de um poeta de adjetivação sombria, como as utopias. Ao mesclar poesia, prosa, e teoria literária em seus versos, Isaías reafirma a tendência da escrita contemporânea à dissolução das fronteiras entre os gêneros e entre as tipologias literárias. Ele passeia pelas diversas veredas da ambigüidade que caracteriza o nosso momento histórico: sério, cômico, irreverente, político, lírico, cínico, irônico, crente, descrente, sacro, profano, sexual, espiritual, etc. e tal.
Por vezes triste e desesperançoso, por vezes alegre e brincalhão, outras vezes irado e revoltado, ele nos convida a compartilhar as diferentes paisagens da alma urbana. E nos convida ainda a participar do jogo, da brincadeira da criação como co-autor, construindo com ele os diversos universos de signos em busca de significado.
(in)versos é para ser degustado gota a gota: de cima para baixo, de trás para frente, do começo pro fim. Cuidadosamente. Afinal, se “a realidade é um sonho que não deu certo”, até o sumário constitui um poema. Deixemos que os seus versos falem por si. Sigam em frente e boa viagem através das alamedas dessa poesia que nos faz refletir sobre a nossa condição de seres que vivem “assim como”, e nos indaga se não somos realmente parte de um sonho alheio.
* Ph.D. em Literatura Comparada pela State University of New York, em Buffalo, EUA. Professor Adjunto da UFBA e da UNEB.
[...] quando em frente à poesia
meditabunda que
se quer filosofia,
mas que sem a coragem e o rigor
de ser uma ou outra, joga e hesita,
ou não hesita e apenas joga
com o fácil, como vigarista.
Pois tal meditabúndia
certo há de ser escrita
a partir de latrinas
e diarreias propícias.
João Cabral de Melo Neto
(in)versos