corvo e filosofia da composição

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Resenhas e Resumos

Isaias Carvalho, 2010

“O corvo”: filosofia da composição

Para Edgar Allan Poe, tramas bem realizadas, no universo da ficção ou da poesia, devem partir de um desfecho antes de se enveredar pela construção mesma das outras partes. O desfecho, que ele chama também de efeito, é o horizonte que está o tempo inteiro guiando a elaboração da obra, ou seja, é o elemento que toca o intelecto e a alma. Essa é uma das muitas noções antológicas lançadas por esse poeta em “A filosofia da composição”, ensaio publicado em 1846, para, de certa maneira, prescrever regras poéticas a partir da análise de seu mais famoso poema, “O corvo”.

Nesse ensaio, Poe analisa como o efeito, a extensão, a província, o tom e o refrão contribuem para a elaboração de um poema sublime. Ele discorda de alguns autores, especialmente do movimento romântico, quando à ideia da construção de poemas a partir de um frenesi inspirador. Ao contrário, afirma que um poema é conseqüência de dedicação e trabalho gradual, como um problema matemático. Desse modo, coloca “O corvo” como exemplar que se relaciona matematicamente a um valor estético de conjunto ou unidade: a emoção ou elevação de sentimento ou o grau de autenticidade do efeito poético que produz. Portanto, a brevidade está na razão direta da intensidade do efeito desejado. Mais uma vez, no quesito extensão, seu poema, “O Corvo”, com seus cem versos, é colocado como ideal, e declara que um bom poema é para ser lido numa “sentada”, para que não seja prejudicada a unidade de impressão.

Após a análise do efeito e da extensão, o elemento província é fundamental para a efetivação da beleza como o coração da poesia. A beleza é superior a outros elementos, tais como a verdade e a paixão, que também devem participar da composição. Poe prescreve, assim, que a beleza é a única província legítima da poesia.

Quanto ao tom, o autor elege a melancolia como o mais apropriado para a poesia, o que se pode constatar em “O corvo”, especialmente no refrão, que é a repetição combinada e monótona, pela “voz” da ave que dá título ao poema, da expressão “nunca mais” (nevermore). Uma ave de mau agouro e o tema da morte (da mulher amada) reforçam o tom melancólico que se junta aos outros elementos para a harmonia e unidade do poema.

De fato, são noções arraigadas no imaginário de produção poética desde o romantismo. Por mais que as várias vanguardas da alta modernidade e a contemporânea postura inclinada a rasurar as fronteiras entre gêneros e conhecimentos, essas ideias se mantém vivas e relevantes ainda hoje para aqueles que se debrucem na análise e/ou criação literária. A angustiante busca de originalidade é prescrita por Poe como fundamental para o poeta. Mas não é uma originalidade baseada em impulso ou intuição: a musa é o trabalho árduo e a construção dedicada passo a passo. É assim que finaliza seu ensaio reafirmando “O corvo” como simbólico e emblemático do luto e da lembrança que não se extingue. Vale a pena ler o poema também.

POE, Edgar Allan. O Corvo: filosofia da composição. Trad. Silveira de Souza. Disponível em: <http://virtualbooks.terra.com.br/artigos/o_corvo_Silveira_de_Souza01.htm>. Acesso em: out. 24, 2006.

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