corpo sexuado

Doses de Saber

Resenhas e Resumos

Isaias Carvalho, 2010

Os limites do corpo sexuado: diversidade e representação social

A crítica das verdades absolutas da ciência tem se dado em movimentos estéticos, como o surrealismo, em movimentos políticos, como o feminismo, e nas ciências sociais, que têm questionado seus próprios pressupostos. Nesse contexto de crise do moderno inquestionável, são lançadas algumas perguntas: o que é uma mulher? A quem interessa a construção hierarquizada desse humano binário (homem e mulher)? Quem tira proveito dessa divisão e reiteração constante dos seres em sexos diferentes? Quem adquire poder ao nascer, ao se revelar a genitália da criança? E como se explicita uma noção de “heterossexualidade compulsória”?

É Tania Navarro Swain, professora do Departamento de História da universidade de Brasília e editora da revista digital feminista Labrys, études féministes/estudos feministas, quem tenta dar respostas possíveis a tais questionamentos no contexto da desconstrução do ideário daquilo que parece definitivamente estabelecido. Ou seja, a autora parte da premissa de que as proposições científicas são de fato efeitos de sentidos historicamente construídos e não possuem um valor absoluto de verdade. É, assim, numa perspectiva de uma memória social truncada e datada que se afirmam as relações humanas como binárias e hierarquizadas em masculino/feminino, na base do “sempre foi assim”, a partir de sentidos elaborados contextualmente e que assumem ares de verdade ao serem expressos na linguagem sob a forma de tradição, memória e história, naturalizando-se pela repetição como se fosse uma realidade universal.

Na verdade, para Swain, a noção de leis e de uma objetividade total, aplicada ao social e defendida pelo Positivismo e outros “ismos”, foi aos poucos sendo abandonada, exceto no caso da idéia dos corpos sexuados “naturalmente” constituídos de modo assimétrico em homens e mulheres, no contexto dos discursos religioso, científico, filosófico e literário. Isto é, são trabalhadas pedagogias sociais que dão conta de ensinar a ser mulher ou homem, com base em determinados pressupostos.

Swain comenta e põe em crise os pressupostos universalizantes sobre o ser mulher em Lévi Strauss e em Freud, para em seguida discutir a construção ou apropriação dos corpos, a partir da famosa questão respondida por Simone de Beauvoir em 1949: o que é uma mulher? “Não se nasce mulher, [alguém] se torna mulher”. É a consolidação do processo de crítica radical à certeza da ciência e da biologia de que é bastante ser portador de uma genitália determinada para ser mulher ou homem. A genitália, portanto, tem sido historicamente utilizada como sexualidade paradigmática e heterossexualidade reprodutiva. E sabe-se bem para quem vai o ônus principal dessa configuração: a mulher.

Um dos prejuízos mais comuns para a mulher historicamente foi (e tem sido) o silêncio como elemento político de apagamento, ou seja, a certeza dessa divisão sexual binária assimétrica e hierarquizada era tão arraigada que a ausência das mulheres como agentes políticos nos discursos públicos e científicos em geral não era ao menos percebida, até o surgimento eclosão dos feminismos contemporâneos. De modo mais específico, os feminismos da década de 70 fizeram a contundente denúncia dessa representação do feminino delimitado a seus corpos e apontaram as pedagogias sociais como instituidoras do binário hierarquizado, sob o símbolo do “natural”, que é uma construção ideológica e política. De fato, a natureza é geralmente posta na discussão como condenação das mulheres que teimam em exercer sua liberdade, seu controle do próprio corpo e suas ações para além dos limites domésticos. E para além do dispositivo da sexualidade e da sedução, da coerção da juventude e da beleza, imposto pela mídia e pelas indústrias de cosméticos e regimes, moda, alimentos light e cirurgias plásticas. Processo também reforçado pelas chamadas pedagogias sociais – educação, religião, tradições, ciência, televisão, cinema, etc, ou seja, as tecnologias de gênero, que instituem e assujeitam corpos e mentes à imagem da “verdadeira mulher”: mãe, esposa, bela, jovem e sedutora.

Em tempo, o título do artigo em questão é “Os limites do corpo sexuado: diversidade e representação social” (Labrys, études féministes/Estudos feministas. Janeiro/junho 2008), que tem como discussão final as questões de gênero , sexo e poder. De fato, a categoria “gênero” foi criada nos anos 1970 com o objetivo de explicitar a disjunção entre o sexo biológico e a arbitrariedade das vestimentas culturais dadas ao feminino. Porém, aos poucos o termo “gênero” perdeu essa natureza revolucionária e foi domesticado, mantendo a naturalização da separação binária assimétrica entre feminino (natureza) e masculino (razão).

Através de dados estatísticos sobre a violência contra a mulher em várias partes do mundo, Swain se mostra cética quanto aos verdadeiros avanços na luta em favor das mulheres. A heterossexualidade compulsória continua obrigatória na definição do “ ser mulher”, o que implica a apropriação social de seus corpos e de sua força de trabalho, intelectual ou física pelos homens como um todo. E há também o reforço de que as mulheres e os homens aprendem, nas práticas e repetições de hábitos e costumes, o que constitui uma menina e um menino, em uma divisão de tarefas e lazer desiguais.

SWAIN, Tania Navarro. Os limites do corpo sexuado: diversidade e representação social. Labrys, études féministes/Estudos feministas. Janeiro/junho 2008.

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