A vingança da deflorada de Bath

Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC

Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica/Inglês

PARFOR

A vingança da deflorada de Bath

“A imortalidade é a luz de toda revelação” (autor desconhecido)

Texto de Solange Reimberg

Publicado em 9 de março de 2012

De acordo com Alice de Bath, dos "Contos da Cantuária", do escritor inglês Geoffrey Chaucer, certo dia, estando à margem de um rio, Mordred, um ardoroso jovem da Corte do rei Artur, avistou uma bela donzela que caminhava a sua frente. Sem perda de tempo, arrebatou-lhe a virgindade. O destino desses dois jovens estava entrelaçado para sempre a partir daquele momento. O cavaleiro teve sua sentença e final feliz. A sorte da pobre jovem não foi tão feliz assim. Mas os fatos não revelados por Chaucer ou por registros históricos de outras fontes são mais reveladores do que podiam parecer.

A história dessa desvirginada interessou-me a ponto de levar-me a pesquisas na busca do saber sobre o destino que teve essa jovem que foi brutalmente violentada. Qual não foi minha surpresa ao descobrir os laços sanguíneos que nos uniam! Ao estudar minha árvore genealógica, constatei que seu nome era Ashle Reimberg e que, na realidade, seu verdadeiro sobrenome era Hill, filha de um nobre de Nova Ghondriann.

Ao aprofundar meus estudos, pude notar algo de inusitado acontecendo. Quanto mais eu lia sobre meus antepassados, mais me interessava por essa pobre jovem desafortunada. Pude entrar em contato com relatos heróicos, românticos e enaltecedores. Por outro lado, também tive contato com histórias tristes e desalentadoras, como a de Ashle.

Senti-me no dever de trazer ao mundo a verdadeira história de Ashle e tentar, de alguma forma, restaurar a sua dignidade, trazendo-a de volta ao seu devido lugar. Foi uma longa trajetória, na qual tive que parar por diversas vezes, pois a emoção tomava conta da minha alma, enchendo-a de tristeza por uma jovem que amou e sofreu na mesma medida.

O barão de Nova Ghondriann, sir Owen Hill, juntamente com sua família e serviçais viajaram para Camelot, a fim de se apresentarem à Corte do Rei Artur. Sua única filha, a bela e formosa Ashle, tinha a virtude e a formosura de todas as donzelas da região. Reunia um caráter nobre e cristão, causando inveja às demais damas da Corte, em especial à rainha Guinevere, pois já tinha observado os olhares interesseiros de Lancelot, cavaleiro da Távola Redonda e seu amante. A partir daquele instante, as sombras do infortúnio pairavam sobre o destino da bela donzela Ashle.

O coração de uma mulher ferida é um campo minado e perigoso, solo fértil para que as sementes do ódio e da vingança germinem à vontade, e o coração de uma rainha não poderia ser diferente. Guinevere, uma mulher ambiciosa, egoísta e luxuriosa, tinha sua vontade e seus desejos colocados acima das virtudes cristãs e do bom senso. Uma trama maléfica foi elaborada para que a bela Ashle perdesse o seu maior bem, a inocência que tanto encantava ao cavaleiro Lancelot.

Prometendo intervir, se necessário, a vingativa rainha conspirou juntamente com Mordred, esse jovem que ambicionava uma vida de prazeres e fartura, para que atacasse a virtuosa moça quando estivesse sozinha. Tal oportunidade não tardou a aparecer: em uma bela tarde de primavera, todos os sonhos e ilusões da jovem Ashle ficaram no chão, juntamente com as manchas escarlates da violência e da vergonha. Ficou prostrada no chão, sentindo-se desamparada e humilhada em sua virtude. A noite caiu silenciosamente ao redor, tornando o quadro mais desalentador. Gotas de chuva molhando seu pequeno e frágil corpo maculado. Parecia que a natureza também chorava, compondo uma triste melodia.

De acordo com os relatos que nos foram legados a notícia logo se espalhou pela corte e o jovem foi chamado à presença do rei Artur. Porém, influenciado por sua esposa, a rainha Guinevere, e sua irmã Morgana, o rei deixou que a desventurada Guinevere se incumbisse de dar a sentença para seu nefasto cúmplice. A sacerdotisa Morgana, que também nutria um amor secreto por Lancelot, contribuiu de forma singular, engendrando um plano para que o jovem saísse ileso, como de fato aconteceu.

Conta-nos a tradição que o referido cavaleiro obteve como pena descobrir o que as mulheres mais desejavam na vida. Por fim, após longa peregrinação, o jovem Mordred encontrou-se com uma velha bruxa que lhe revelou a resposta ao seu questionamento: o que as mulheres mais ansiavam era poder mandar em seus maridos ou amantes.

Contudo, o obrigou a cumprir um juramento, se por ventura tudo desse certo, ele se casaria com ela. De volta à corte do rei Artur, diante da platéia que aguardava ansiosa por seu pronunciamento, proferiu sua descoberta. Para seu alívio e tortura, a resposta estava correta. Alívio, por estar livre da morte e, tortura, pelo fato de ter que cumprir o juramento que fizera à bruxa que estava diante de si. Casaram-se. A velha bruxa se transformou em uma bela donzela e viveram felizes por muitos e muitos anos. Este relato poderia terminar aqui, com esta célebre frase de contos de fadas. Porém, como a moeda possui duas faces, esta história também tem o seu lado sombrio e lamentoso.

Diante de tal situação a favor do cruel desvirginador, restou à família do barão, sir Owen Hill retirar-se para seu reino com a honra ultrajada, pois quem se atreveria a enfrentar a poderosa Morgana, sacerdotisa de Avalon, conhecedora de todas as magias e mistérios das sombras?

Naquele tempo as moças eram preparadas para o casamento. A mulher era vista como propriedade, usada para obtenção de vantagens financeiras ou títulos de nobreza. Sir Owen Hill, sentindo-se humilhado e ferido em seu orgulho masculino e patriarcal, tentou um casamento arranjado para a jovem Ashle. Contudo, a trágica notícia já tinha chegado ao conhecimento dos seus compatriotas.

Segundo a tradição, o pai retirou das vestes de Ashle o brasão, representando a altivez, e o lírio, que simbolizava a pureza e a virtude, agora manchadas. A rainha, por sua vez, enviou através de um mensageiro uma quantia em dinheiro para reparar o suposto mal causado, mas insinuando que a grande culpada fora a bela jovem, que por andar sozinha pelos bosques acabou incentivando o ataque.

Ao receber o emissário da rainha e não suportando tal afronta, sir Owen decide mandar Ashle para um convento no Império Germânico. No dia da sua partida, somente o pai estava presente para a despedida. Falando com a dureza do metal, citou a frase de Tertuliano: ”Tu deverias usar sempre o luto, estar coberta de andrajos e mergulhada na penitência, a fim de compensar a culpa de ter trazido a perdição a esta família... Mulher, tu és a porta do Diabo”.

Ashle segue para o convento, muda seu sobrenome Hill para Reimberg, uma maneira de deixar para trás tudo o que lhe lembrasse quem era e o que sofrera. À medida que se aproximava de sua nova moradia um véu de tristeza se abateu sobre sua alma, como antevendo as provações pelas quais passaria, Teve também recordações alegres, quando seus sonhos juvenis ansiavam por uma vida repleta de venturas e sorrisos.

Com o passar do tempo, mantém uma vida dedicada às orações e aos trabalhos na horta. Porém, suas aflições aumentaram ao descobrir que trazia em seu ventre o fruto daquele ato hediondo da qual fora vítima, uma mistura de desespero e amor crescendo à medida que se notava o volume em sua barriga.

Enviou uma carta para sua família, suplicando aos céus que a amparasse naquele momento tão difícil, mas não obteve resposta. Não restava alternativa a não ser revelar à madre superiora sobre sua infeliz estória. Essa esposada de Cristo a amparou até o dia do parto.

Em uma madrugada fria de inverno, após enormes esforços no trabalho de parto, veio ao mundo um robusto menino que recebeu da mãe o nome de George Reimberg. Os dias se passaram e Ashle pressentia que seu fim se aproximava. Por isso, entregou aos cuidados da madre superiora seu bem mais precioso, seu filho e uma caixa. Suplicou que, quando o menino completasse 12 anos de idade, o enviasse a sua família para reivindicar o que era seu por direito. No dia da partida, George deveria receber a caixa que relatava sobre sua verdadeira origem e identidade.

Horas depois de tais pedidos de diligência à madre superiora, Ashle despediu-se do mundo com um longo suspiro e uma lágrima ao fitar pela última vez seu amado filho. A terra receberia o corpo sem vida daquela mulher que amou e sofreu na mesma proporção. Os pássaros entoaram um trinado lamentoso por tão triste desfecho. Sob o solo, agora jazia a jovem com todos os seus sonhos e desilusões.

Passados 12 anos, a madre superiora convocou o jovem George Reimberg, entregou-lhe a caixa e ordenou que partisse em viagem com destino ao condado de Nova Ghondriann. O jovem recebeu emocionado a última lembrança de sua querida mãe, que não teve oportunidade de conhecer, mas soube pelas freiras que muito o amou.

Durante a viagem, com os olhos banhados de lágrimas, começou a ler a carta de despedida que sua mãe lhe deixara, juntamente com o brasão da família e a flor-símbolo.

George, meu querido e amado filho,

Quando estiveres lendo esta missiva, há muito terei partido deste mundo de sofrimento e ilusão. Não posso pensar nas coisas que me torturam o coração e que são mais caras que minha própria existência

É totalmente impossível pensar, filho querido, que não poderei ver-te crescer, presenciar teu primeiro sorriso, ouvir tua primeira palavra, não poder aconchegar-te em meu seio.

Meu caminho foi sem marcas nem paisagens. Viajo sozinha com meu coração, a memória voou da minha fronte.

Oh, não! Vida injusta e cruel! Derradeiramente negra e triste. Destino, tu que me separas do meu bem mais precioso, meu único verdadeiro amor...

Sinto na alma o adeus da despedida. Restam-me poucas forças. Revelo-te, a partir de agora, a verdade sobre tua origem. Tu és filho de um cavaleiro cruel, membro da Corte do Rei Artur que me tirou, de forma vil, a honra, mas deu-me você para ser o bálsamo das minhas aflições.

Procuras teu pai e exijas o teu direito. Seu nome é Mordred, filho da sacerdotisa Morgana e do Rei Artur. Porém, Morgana nada sabe sobre a existência desse filho.

A rainha Guinevere e a sacerdotisa de Avalon Morgana tramaram um plano para que o cavaleiro Lancelot se afastasse de mim, pois estávamos apaixonados um pelo outro.

Peço-te, filho, que retorne a Nova Ghondrian e toma teu lugar como legítimo herdeiro do barão, seu avô. Segue nesta caixa a prova da tua nobreza: o brasão e a flor-símbolo de nossa família.

Amado filho, agora posso descansar em paz. Ore por minha alma, para que encontre o refrigério que tanto anseia.

Tua amorosa mãe,

Ashle

À medida que seguia para seu destino, ia crescendo em George o desejo de vingança e a vontade de fazer justiça em memória de sua amada mãe, que tanto sofrera.

Chegando às terras de seus antepassados, foi recebido com desconfiança. Ao exibir o brasão, toda a dúvida se desvaneceu. Desde a notícia da morte da sofrida Ashle, muita coisa acontecera: o barão morrera de desgosto quando soube do nascimento do neto e a baronesa, por sua vez, foi obrigada a fazer o juramento no leito de morte do marido de nunca procurar pela filha e pelo menino. Contudo, já tinham se passado tantos anos e o destino foi a seu encontro. Com o coração repleto de alegria, a baronesa recebeu seu neto entregando-o os domínios das terras e seu lugar de honra no condado.

George viveu feliz ao lado da sua querida avó. Porém, o sentimento de justiça gritava em seu peito a todo o instante. Noites insones perturbavam seu espírito, pesadelos povoavam sua alma, tirando-lhe a paz que tanto almejava. Com a morte da baronesa, ele sentiu que era chegada a hora de partir para Camelot à procura do seu passado e da reparação do mal causado a sua amada e querida mãe.

Chegando a Camelot, apresentou-se ao Rei Artur como o novo barão de Nova Ghondriann, revelando sua verdadeira identidade. O velho rei, cansado e desiludido com as traições de Guinevere e Lancelot, nomeou George Reimberg cavaleiro da Távola Redonda, passando a desfrutar da confiança e amizade da realeza. Certa tarde, passeando pela floresta, George encontrou-se com o homem que, segundo sua mãe, era seu pai. À sua memória vieram as palavras escritas na carta que sempre trazia consigo junto ao peito. Desembainhou a espada, revelou sua identidade e convocou o pai para um duelo.

Mordred, surpreso pela súbita revelação, ainda tentou demovê-lo da idéia. Contudo, a sede de vingança tornara George surdo aos apelos daquele que foi responsável pela desgraça e infortúnio de sua amada mãe. Em um terrível duelo, Mordred cai mortalmente ferido, pois George aprendeu a arte da esgrima com os melhores cavaleiros do seu território e se preparara durante todo o tempo para este encontro.

O belo jovem guerreiro voltou para o Império Germânico, onde depositou sua espada e um lírio no túmulo da mãe com o sentimento do dever cumprido. Alguns anos mais tarde, casou-se com uma bela jovem germânica, dando início à linhagem da família Reimberg, da qual sou integrante, esta modesta narradora.

Termino este relato exausta, não física, mas emocionalmente, por trazer à tona esta história que aconteceu em minha família, até então ignorada por mim e por muitos outros, incluindo historiadores e literatos. Sei que é impossível olhar o mundo do mesmo modo que antes. Sei também que Ashle, de alguma maneira, ajudou-me a encarar certos medos e a exorcizar alguns demônios interiores. Deixo como legado para meus descendentes, a vida de Ashle, outrora Hill, doravante Reimberg, por levar no nome dois elementos tão contraditórios, as cinzas e a rocha.

Como a fênix, que se levanta das cinzas, você também, Ashle, volta do passado para nos ensinar a doçura, a coragem e a superar as dificuldades que nos são apresentadas. A busca da verdade através dos tempos trouxe um misto de surpresa e pesar. As vicissitudes do destino, que brinca com a vida dos mortais, selando a sua vontade sobre tudo e todos. A sorte da jovem Ashle, que poderia ter sido outra, por conta das armadilhas de duas criaturas infames, acabou por destruir todos os sonhos e ilusões dessa bela donzela. Descanse em paz, Ashle Reimberg! A sua história foi revelada ao mundo.

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