Yehuda Halevi

Yehudah ben Samuel Há-Levi, ou Abû l Hasân ibn Al-Levi hoje já é plenamente aceito que tenha nascido em Tudela, Espanha, entre 1070-75, seguindo o estabelecimento desta data por Schirmann, e não em Toledo como vinham afirmando diversos estudiosos e ainda consignam alguns manuais de história literária. Mas, ainda a maior parte dos estudos antigos citam Toledo como sua cidade natal. O poeta medieval esteve em Zaragoza sob o governo dos Banu Hud, deslocando-se posteriormente para outras cidades de Al-Andalus, após breve parada em Toledo (que nesse momento já estava em mãos de Alfonso V) onde permaneceu por alguns anos. Retornou a Córdoba, onde se estabeleceu por algum tempo. Tendo freqüentado os círculos intelectuais e literários da cidade, destacou-se por sua poesia. Conheceu Moshe Ibn Ezra, o qual, tornando-se seu amigo pessoal, convidou-o a ir a Granada. Lá permaneceu até 1090 quando, com a chegada dos Almorávidas, fugiu novamente para Toledo. Retornou a Al-Andalus, tendo residido em Córdoba, Granada e Sevilha. Exerceu a medicina em Castela e em algumas outras cidades de Al-Andalus. Sobre as datas de suas andanças não se tem notícia certa. Sabe-se ainda, por referências expressas em suas poesias, que se casou e teve uma filha e um neto.

Com quase setenta anos, embarcou , em 1140, com destino a Alexandria; passou algum tempo no Egito, saindo alguns meses depois, novamente de navio, rumo à Palestina. A partir desse momento, seu rastro se perde. Sabe-se que morreu durante essa viagem, ainda que em circunstâncias misteriosas. De acordo com alguns autores, a data de sua morte é estipulada em 1141, provavelmente ainda no Egito; de acordo com outros, Há-Levi morreu já em Jerusalém: "Jehuda Há-Levi parece ter conseguido a realização de seu desejo, e ter visitado Jerusalém, ainda que por um breve período." (Graetz, 1949, p.342). Para outros estudiosos ainda, a data estimada é bem posterior, calculando-se que tenha ocorrido entre 1161 e 1170.” (Orfali, 1997, p. 61). A idéia de que teria sido assassinado em Jerusalém é, sem dúvida, uma bela estória, e bastante disseminada, embora não possa ser sustentada por evidências históricas. “A lenda de um Yehudá Há-Levi entrando em Jerusalém e ali sendo morto enquanto recitava uma poesia, é uma bela lenda. Não é adequada à realidade histórica, mas, será que ele próprio não teria gostado desse final?” (Doron, 1985, p, 13). Nesta época, as lendas acerca das circunstâncias de morte de personagens notáveis, especialmente figuras de expressão literária, eram extremamente comuns e ficavam praticamente incorporadas às suas biografias.

Sendo médico de profissão, ficou mais conhecido por sua extensa obra poética de temática variada, bem como por sua obra fundamental considerada, não sem reservas, no âmbito da filosofia. O "Livro da prova e fundamento da religião menosprezada", foi escrito originariamente em árabe, sob o título original de Kitâb al-huyya wal-daIîl fî nusr-al-dîn al-dalil entre 1130 e 1140. Esta obra ficou conhecida pela tradução hebraica de Samuel Ibn Tibbon sob o nome de Sefer Há-Kuzari.

Yehudá Há-Levi é considerado um dos maiores poetas religiosos do judaísmo medieval, tendo sido alguns de seus poemas incorporados à liturgia sefaradi do Yom Kippur. Em parte pelos elementos estruturais que toma de empréstimo a esta corrente filosófica e que são expostos ao longo de sua obra célebre, o "Livro da prova e fundamento da religião menosprezada", do ponto de vista filosófico, é situado no âmbito do neoplatonismo - modelo afirmado por Isaac Israeli e Salomão Ibn Gabirol, que veio a se tornar dominante entre os séculos XI e XII, caindo em descrédito entre os pensadores judeus após o século treze. Guttmann assim justifica esta classificação controversa do seguinte modo: “A singular figura de Yehudá Há-Levi não pertence a nenhuma escola filosófica. Apenas o fato de que alguns traços de seu pensamento o unem à tradição neoplatônica justifica discuti-lo nesse contexto” (Guttmann, Julius, 2003, p. 147). A nosso ver, esta caracterização de Yehudá Há-Levi enquanto neoplatônico parece bastante questionável, como será explicado mais adiante, especialmente pelas críticas acirradas que dirige à filosofia e sua adesão ao criacionismo mais literal.

Sua obra fundamental, texto escrito originariamente em árabe, segue um modelo dialógico, é inspirada na história da conversão do rei Obadiah dos Khazares, ou Kuzari, um povo de origem turca estabelecido no baixo Volga que por volta de 680 ou 740 (de acordo com os diferentes autores) converte-se ao judaísmo. Este povo desapareceu em mãos dos bizantinos aliados de Vladmir da Rússia em 969, possivelmente tendo vindo seu rei, na época José, a se instalar em Córdoba depois da queda de seu reino. Há-Levi narra a história deste rei, que teria vivido uma experiência que se inicia com sonhos repetitivos, nos quais um anjo lhe aparecia e dizia: “tua intenção agrada ao Criador, mas as tuas obras não lhe são gratas” (Cuzary, p. 17). O rei então, questiona as suas crenças religiosas e chama os diferentes “sábios” para que exponham as possíveis soluções para a sua inquietação. Interroga um filósofo, um teólogo cristão e um teólogo muçulmano. Não contente com as respostas que destes obtém, vê-se impelido a interrogar por último um doutor da minoria religiosa judaica, um rabino de nome Haver (termo hebraico que significa literalmente amigo, companheiro), o qual, por fim, convence o rei da veracidade e superioridade de suas crenças religiosas.

Esta obra, longe de ser uma pura invenção, é uma ficção literária baseada no relato transmitido por Ma’sudí sobre a conversão de Bulan, rei dos Khazares, um grupo turco localizado nos Urais, que supostamente ocorrera no século VII. Este rei, ao adentrar as regiões que hoje constituem o Uzbequistão e o Turcomenistão, teria entrado em contato com o budismo, judaísmo, cristianismo e maniqueísmo, modificando seu xamanismo primitivo.