Maimonides

Moshe ben Maimon, conhecido como Maimônides (1135-1204) foi médico, filósofo, e essencialmente um pensador judeu preocupado fundamentalmente com a compreensão de sua religião. Nascido na Espanha islâmica (Al-Andalus), durante sua adolescência, sua família é obrigada a migrar para Fez após a tomada do poder pelos Almôadas e, em 1168 segue para o Cairo. Estudou Medicina, vindo a se tornar médico do vizir Al-Fadil, homem de confiança de Saladino. Maimônides foi educado em ambiente marcado pelas discussões teológicas e sobre jurisprudência judaica – uma vez que consta que seu pai fôra um dedicado estudioso do Talmud, tendo sido até mesmo juiz – e suas idéias seguem, em linhas gerais, a defesa das concepções majoritárias no judaísmo rabínico de sua época. Mas, ao contrário de um fideísta ou ingênuo defensor da literalidade das Escrituras, Maimônides lança mão, a fim de atingir seus objetivos, de sólida argumentação racional construída a partir dos grandes nomes da Filosofia, cujas obras conhecia profundamente, e dos filósofos islâmicos de seu tempo. Morreu em Fostat e foi enterrado em Tiberíades (Israel).

Entre as obras voltadas à religião e a ética, tendo por base a produção talmúdica, como seus “Comentários à Mishná” e “Mishné Torah”, surge sua obra principal, pela qual garante seu lugar na história da Filosofia: o “Guia para os Perplexos”. Escrito originariamente em árabe, sob o título de Dalalat al ‘airin, e traduzido ao hebraico como Moreh Ha-Nevuchim, o Guia compõe-se de três partes. A primeira consiste numa exposição dos “segredos” (sodot) contidos nos livros dos Profetas, a partir de uma exegese filológica de certos termos contidos na Bíblia, bem como uma profunda discussão sobre os atributos de Deus e uma crítica aos métodos do Kalam . A segunda parte do Guia, que é a que nos interessa propriamente aqui, dedica-se a estabelecer relações entre a Filosofia e os conteúdos das Escrituras, especialmente quanto à questão dos seres existentes e da criação do mundo, apontando suas proximidades e distâncias; desta parte consta também uma discussão sobre a questão da Profecia. A terceira parte do Guia discute questões sobre as disciplinas místicas judaicas (Maaseh Bereshit e Maaseh Merkabah), trata de questões como a matéria, o mal, a Lei de Deus e a conduta do homem.

O objetivo principal de Maimônides, conforme suas próprias palavras, era o de: “Esclarecer os pontos obscuros da Bíblia e expor explicitamente o verdadeiro sentido de seus fundamentos, encobertos à inteligência do povo” (Guia, II, 2 ). Conforme Maimônides, a verdade Revelada e a especulação filosófica só parecem diametralmente opostas a olhos despreparados e mentes ignorantes, posto que, muitas das conclusões da filosofia somente vêm a reforçar a Verdade Revelada: “Assim, ao nos habituarmos com as opiniões dos ignorantes em Filosofia, inclinamo-nos a considerar estas opiniões filosóficas como estranhas à nossa religião (...) Mas, na verdade, não é assim” (Guia, II, 11).

Muito embora acentue as semelhanças entre as concepções filosóficas, especialmente aquelas atribuídas a Aristóteles e aos peripatéticos islâmicos, e a revelação bíblica, estas semelhanças chegam a um limite na questão da Criação. Maimônides insiste em identificar pontos de concordância entre filosofia e revelação em questões como: a aceitação do modelo de esferas, o fato de que as esferas celestes sejam dotadas de alma e inteligência, o mundo governado por influências celestes, os corpos terrestres compostos de uma única e mesma matéria, sujeita à geração e à corrupção, o entendimento do processo de emanação ou processão como “influência” (equivalente do hebraico Shefa), e outras questões, tal como formuladas pelos filósofos, uma vez que possibilitariam o encontro de afirmações paralelas no texto bíblico, ainda que ali apareçam sob uma outra linguagem. Mas, no que se refere à origem primeira do Universo, estabelece a diferença fundamental e radical entre as duas posições.

Destacam-se entre as obras de Maimônides, também as seguintes: sobre astronomia o Tratado sobre o calendário (judaico) (1158) e Carta aos Rabinos e Marselha sobre a astrologia (1194). Entre suas cerca de dez obras de medicina, destacam-se Aforismo médico de Moshé (1187-1190), Tratado sobre a asma (1190), Sobre o coito (1191), Sobre a higiene (1198) e Explicação das particularidades (1200).