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A condição humana é tema da poesia de Coelho de Sousa
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De Porta em Porta
De porta em porta irei bater qual peregrino...
E vou pedir pousada... É este o meu destino...
A fala que eu disser terá calor de prece..
Duvido que me queiram...Ninguém me conhece...
Mas eu irei.. Eu vou bater de porta em porta...
Mandem-me cães e pedras que me não importa...
Quando eu passar, estranho, assim desconhecido,
riam de mim. Há tanta gente a rir da vida...
Deixá-lo rir de mim. Eu vou de porta em porta.
Espinhos são coroa que o amor suporta...
Eu vou...E fui bater à porta dum ricaço...
Tinha armazéns enormes, todos feitos de aço...
E tinha no escritório um grande cofre cheio,
Olhou para mim com óculos de oiro e com receio..
E tendo presa à mão as chaves perguntou:
Quem sois?... Eu respondi: Tu sabes eu quem sou.
Eu sou aquele operário que mandaste embora
porque chegou mais tarde... já passava uma hora...
E não lhe deste nada... E tu sabias bem
Que em casa lhe ficava quase morta a mãe...
Eu sou... Tu sabes quem eu sou... Sou a Justiça
Que vem pedir a chama de uma luz mortiça
A fim de iluminar o rosto àquela mãe
Que o filho chora... E tu roubaste. E que não tem
moeda p'ra comprar a vela do amor
que a gente põe ao pé do corpo com fervor
enquanto a alma sobe p'ra o Senhor... ao céu...
Sou a Justiça... E tu, dá ao dono o que é seu...
E fui-me embora... Ali pertinho estava a loja
aonde a gente compra chitas e percais;
sapatos e galochas, chapéus e muito mais,
Que tudo ali se vende. Até quanto me enoja,
com pesos e medidas. Entrei. Boa tarde.
E lá de dentro alguém me respondeu também,
Ora viva! Deseja alguma coisa? Aí tem
quanto precisa. Um metro, sem alarde
Pedi eu. - Mas, um metro, assim quereis comprar?
- Não. Venho só ao que lhe falta acrescentar...
E venho para encher os pesos que tens ôcos,
Dizer-te que não mintas quando dás os trocos...
Mas quem és tu, assim audaz e metediça?
Eu sou quem não conheces... Eu sou a justiça...
E por medir-me as costas, ia o metro erguer...
Mas eu saí... E fui noutra porta bater...
Entrando e saindo vi as multidões...
Honestos e pacíficos... e ladrões
Que a todos bem conheço... E aqueles que um sorriso
nos dão somente em paga pelo que é preciso...
Flausinas, corte raso... E jovens peixe espada...
E quantos atraiçoam pela debandada.
Os cegos que veem para além da noite;
Os surdos que não ouvem quem dizer se afoite:
Esse caminho errado que tu levas, mata-te.
Dos laços que te prendem, por favor, desata-te.
Que chora em tua casa o filho e a mulher...
O jogo e o vinho... e o mais... Assim não é viver...
Mas a que porta, então, eu vim bater? Será
café, cinema, ou banco ou cabaré? Sei lá!
E mesmo que estes fossem, não podia entrar...
Justiça aqui, talvez, mal pode ter lugar...
E mesmo quando o tem, sai tão ferida às vezes...
Mas esta casa tem inúmeros fregueses...
Virão buscar remédio à medicina exacta?
Que é tão segura agora que a ninguém já mata?
Também não era ali a porta do hospital...
Pensei que fosse a entrada do tribunal...
E entrei, que ali eu tenho cátedra segura...
Mas, nem juiz nem réu, a sala estava escura...
Vem o porteiro então e grita " Vá p'ra rua"
Não há sentença hoje e... a casa não é tua...
E eu, justiça, fui de porta em porta ainda...
Mas esta multidão, assim enorme, infinda,
donde virá, aonde irá? Ao futebol ?
Talvez à praia ? Estava tão ardente o sol!
Não há tourada, hoje... E a verbena à lua
É no jardim à noite, e não assim, na rua...
Mas esta gente toda, assim, aonde irá?
Vão todos em silêncio... aonde irão? Sei lá!
E fui andando, andando... Eu já ia cansada...
Bati em toda a porta... Ninguém dizia nada...
Também entrei na Igreja, encontrei-a vazia...
Falei para as estátuas, mas eu nada ouvia...
Subi! Subi mais alto e fui junto ao altar...
Então ouvi dizer: Volta de novo a andar
E vai de porta em porta a perguntar, saber
Aonde as multidões caminham a sofrer...
Pergunta ao pobre ou rico, avelhentado ou novo;
ao pecador ou santo, ou a qualquer do povo
E tudo saberás. Voltei à rua, então
E fui seguindo atrás da enorme multidão...
Abandonada e só, subia uma criança
Maltrapilha e triste, era a morte de uma esperança.
Sem que eu a boca abrisse, a perguntar me diz:
Quem sois assim estranha, tu também subis?
Alheia de mim mesma respondi: eu vou
aonde também fores...E eu quem sou? Eu sou..
Ah! desaparecera... Tinha-se ido embora,
aquela criancinha triste, encantadora
Não tinha a quem falar e não sabia nada...
Mas, em compensação, diante de mim, rasgada,
estava dando entrada, grande porta aberta...
Entrei também... Entrei. A sala estava deserta..
E fora por ali que a multidão entrara,
Pois era ali o termo daquela senda rara.
Bruxeleante luz de vela quase morta
marcava a quem entrasse o rumo doutra porta:
E fui ali bater...Talvez a derradeira
havia de ser... Bati... Surgiu-me uma caveira
Horrível, sobre pilha de ossos, temerosa...
E perguntou: Quem sois? (Tinha a voz cavernosa)...
Eu sou... E tu quem és? Sabei que sou a morte
E eu, notai, que sou, por Deus! Justiça forte...
E a morta me volveu admirada e breve:
Mas como podes ser tu a Justiça? Esteve
a humanidade aqui a celebrar-te a morte...
Essa criança a quem tu lastimaste a sorte
Trazia em suas mãos os goivos da saudade
Já morreu a justiça... Esta é que é a verdade.
E a morte me fechou também a porta. E eu...
E eu voltei de novo para a rua... É meu
destino andar de porta em porta sem ninguém
me receber... pois todos julgam que me têm...
E grande número vive sem me conhecer...
Matar-me ninguém pode... Eu não posso morrer..
Sou a justiça eterna... E a Justiça é Deus...
Eu sou a paz da terra e a glória dos céus...
Irei de porta em porta... É este o meu destino...
Hei-de pedir pousada, como um peregrino.
Aceitarei de esmola ao bem sua guarida
E em paga deixarei ao homem sua vida...
A vida, aquela vida onde reina o amor...
A vida... A vida que é para ti... Em Deus, Senhor...
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Créditos: Dionísio Sousa Contacto dionisiomendes@gmail.com