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O homem da rádio e o poeta dos temas religiosos (IV)
Uma curiosa e religiosa lenda medieval
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O outro rosto de Coelho de Sousa na internet:Alamo Esguio
Para a maioria dos leitores, que não terão conhecimento dos factos que estão na origem deste texto de Coelho de Sousa, aqui se reproduzem, tal como vêm descritos na Enciclopédia Verbo:
"Santa Escolástica, Monja, irmã de São Bento (c.480-c.547).
Segundo os "Diálogos" de São Gregório Magno, teria sido consagrada à vida religiosa desde a infância, e veio a habitar com outras monjas perto do Mosteiro de Monte Cassino. Encontrava-se de vez em quando com o irmão para conversarem de assuntos espirituais. Numa ocasião obteve do céu uma tempestade para prolongar o colóquio espiritual. Três dias depois, São Bento viu a sua alma subir aos Céu em forma de pomba, e mandou enterrá-la no seu próprio túmulo".
Aquele adeus era de irmãos !
Irmão!
Recorda aquele dia em que partiste...
Ias contente...
Mas triste
ficou a nossa casa,
o nosso coração,
e toda a gente.
Tu foste de abalada para Roma
E da infância, o doce aroma
em Múrcia, também foi.
Que medo!
Quem sabe, a cada esquina a nossa vida
traz um segredo...
E tu, adolescente
e só,
partias...
embora fosses contente...
Os nossos pais e eu e toda a gente
lembravam alegrias
dum passado em pó!
E o temor em te perder
enegrecia os nossos dias.
Ele
Mas, senhora irmã
porque voltas a pensar
em coisas tão antigas?
Não vês que já tombou em pão sobre o altar
a loira cor madura das espigas?
A nossa idade,
a nossa vida... este lugar,
exigem um olhar,
outro falar
de eternidade...
Vamos irmã,
é bem melhor
cuidar do santo amor...
Ela
Irmão, tu dizes bem..
Senhor,
Perdoa,
Se recordar não é virtude boa...
Mas, quando veio a notícia
Que em Roma já não estava
O estudante de Múrcia,
E que ninguém o sabia,
Que toda a gente ignorava
O silêncio onde vivia,
Irmão, Irmão,
ai a dor!
Que varou em susto o coração!
Tinhas corrido ao deserto
por fazer da tua alma
um livro aberto
em amor, em graça, em calma!
E agora,
Meu Deus! Nossa Senhora!
Como tudo vem mudado...
Lá no Monte alcandorado
Irmão Bento
O teu convento...
E aqui na rasa planície
O Senhor me tem guardada...
A nossa vida é feliz, abençoada!
Ela
Ah! Irmão,
Quisera eu que visses na palma desta mão,
a minha alma e o meu coração...
Que,
contentes,
ardendo em chamas ardentes,
Irão,
muito em breve ao seu destino...
Ele
É verdade Escolástica e irmã.
Viver aqui é ser-se peregrino
do além.
Por mais longa a vida,
ninguém,
ninguém tem
neste mundo guarida...
Além, muito além...
Além daquele monte,
Além do horizonte
de nuvens e de sol
Que vai a declinar...
Além do nosso encontro aqui...
Além da nossa própria vida aqui,
irmã.
Ela
Por Deus! Irás partir?...
Tão cedo...
Eu já não tenho medo
do teu fugir.
Mas gostava tanto
De não quebrar o encanto
do nosso encontro
a meio desta encosta...
Por Deus, irmão Bento,
mais um momento,
aqui junto de mim.
Eu bem pressinto
que o nosso novo encontro
só há-de ser junto ao senhor
no seu amor sem fim...
Por Deus, deixa-te estar...
E não te vás embora!
(chora)
Ele
Irmã, é já chegada a hora.
Pois não ouviste tocar
a sineta do convento?
Foi a chamar a completas...
E da regra o cumprimento
É para todos igual.
Não insistas mais,
por Deus te peço...
Importa o meu regresso.
Adeus!
Voltarei dentro de um ano!
Adeus!
Deixo-te a bênção dos céus,
no amor de Deus.
Pai... Filho... Espírito Santo...
Ela
E há-de ser por esse amor,
Que te não irás embora...
Oh! Céus... Valha-me Nossa Senhora!
(Chora)
Céus! Deus!
Oh! Senhor! Por teu amor!
É a derradeira vez...
Ela
Ouves, irmão,
lá fora
a tempestade?
Não te parece agora ser verdade
que o amor
é maior
que a obediência?
Ele
Mas irmã,
como tens a consciência?
Há já
vinte cinco anos
Que o nosso encontro se dá!
E uma coisa assim estranha
não recordo que se tenha
algum dia aqui passado...
Ela
É a resposta do amor...
É o céu que nos responde,
onde irás, agora, onde ?
Ela
Irmão Bento,
Espera a noite que vem
E quando for já manhã,
irás de vez ao convento...
Repara,
Como vai tão alta a lua
em sua esteira de luz...
E não vês como as estrelas
(coisa rara,
muito embora a tempestade)
Desenharam nas alturas
siderais e sempre belas,
Uma cruz
maior que a tua e a minha...
(tempestade)
No entanto, Irmão Bento,
Eu não te prendo.
Caminha.
Eu bem sei ser mal horrendo
não voltar pela tardinha
para as grades do convento...
Mas é enorme a tempestade..
E Deus por certo não há-de
Castigar a tua ausência...
Que o amor do nosso encontro
não é desobediência.
Ele
Seja irmã como preferes...
Seja assim como previste...
Se por Deus assim o queres,
junto a ti não fico triste...
E falaremos de amor,
da vida plena e da glória.
Ela
Senhor... a vida! Vitória!
Que enorme e doce ventura
Ser agora bem segura
a tua palavra divina,
nos lábios de meu irmão...
Senhor,
Faz de luz, a noite escura...
E faz a luz branda e fina,
tombando em meu coração!
A minha boca se cala,
fala, irmão, fala!
Ele
Senhora irmã,
Diz assim a linda história,
Ternas bodas de noivado,
- talvez fosse a primavera ! -
Ela e Ele o bem amado,
Depois das horas de espera
noite alta tinham chegado...
E nas mãos, em luas cheias,
acesas cinco candeias...
Que as outras cinco vazias
Se ficaram apagadas...
E foram cinco alegrias
eternamente ofuscadas...
Senhora irmã,
E tu sabes toda a história...
Fechou-se a porta da glória.
E só das Virgens metade
Gozou
do banquete a eternidade...
E tu, irmã? E tu?
Trazes na alma essa luz
do encontro com Jesus?
Ela
Tu bem sabes... quem eu sou...
Ele
Adeus, irmã...
Já não me podes prender...
Olha além,
Surge a manhã,
lá vem o sol a nascer...
Adeus!...
Ela
O sol! A hóstia grande dos céus
para a santa imolação
na ara da criação.
Adeus, irmão, Adeus...
Ele
Adeus... Até ao ano que vem...
Ela
Não... Agora, só além,
junto a Ele, esposo amado...
O nosso encontro acabado
neste mundo esta manhã
há-de ser recomeçado
Junto a Ele um dia além.
Adeus!
Ele
Deus te abençoe, minha irmã,
Adeus!
E dois dias se passaram!
Frei Bento chega à janela...
- Em pleno dia, uma estrela!
É ela! É ela!
- Branca pomba que vôa!
Lá tão alto para o céu!
Deus meu! Deus meu!!
É ela! É ela...
.
Vai buscar divina c'roa
merecida
Por quem traz a alma acesa,
em teu amor
tua vida
Oh! Senhor!
Escolástica, Senhora irmã, já morreu...
Oh! Santa, vela por mim
lá do céu eternamente,
até que volte a encontrar-te
no amor, na vida... sem fim.
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Créditos: Dionísio de Sousa Contacto: dionisiomendes@gmail.com