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O homem da rádio e das velhas tradições da ilha (II)
A carta da América é uma velha tradição açoriana.
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A resposta...
Querido Pai, querida mãe
José e Emilha Vintém
Minha mãe, querida mãe
está cansada de esperar
A resposta àquela carta
Que o teu amor quis mandar...
O tempo corre depressa,
Foi já há meses bastantes!
Mas nunca esquecem os pais,
os filhos que estão distantes...
Só agora vos escrevo,
pois só agora é que pude.
Deus queira que estejam bem
e de perfeita saúde.
Nós cá vamos bem. Melhor
Do que merecemos a Deus.
Meu marido e o meu filho,
Bem com todos os meus.
Ah! Se o mar tivesse atalhos
Quantos vezes eu já tinha
ido ter à vossa porta
E não iria sozinha
Pois meu marido também
vive num mar de saudade.
Acreditem os meus pais
que é a pura da verdade...
... ... ... .. .. .. .. ...
A nossa casa da serra
Era pequena oh! ié!
Mas não há outra mais linda
às portas de S. Tomé...
Gentes do Topo e Calheta
Toda a ilha e S.to Antão
Ao passar à nossa porta
erguiam alto a mão,
Apontando para as flores
que enfeitavam o jardim
da nossa casa. E os rapazes
Todos olhavam para mim...
Ai que saudades já tenho
de comer o pão de milho
E de ir tocar na eira
os bois puxando o trilho.
E os dias da vindima
pelo calor do verão!
E à noite o peixe assado
Na Fajã de S. João!
.... .... .... ........ ....
Se a demora em responder
foi assim interminável
foi para agora trazer
uma notícia agradável
Se Deus nos der saúde,
No princípio do verão
Embarcamos para os Açores
Vamos para S.to Antão
Há-de ser o verão inteiro
Que aí vamos passar.
Já penso que nunca chega
o dia de nos encontrar...
Levo coisas sem tafulho
Tudo quanto pede a boca
Levo frutas encanadas
que isto não é coisa pouca...
E levamos automóvel
para ir a toda a banda...
Que isto agora, em nossos dias
andar a pé ninguém anda.
Mando mais uns alvarozes
para o meu Pai vestir
Uma navalha e um cinto
e um relógio a luzir...
A suera e roupa inteira
que eu mando mais a caneta
É p'ra o meu Pai usar no dia
em que eu chegar à Calheta...
Mando uns brincos e um broxe
e um relógio p'ra mãe...
Toda a gente há-se dizer:
Que linda a Emilha Vintém
Mando um chapéu feito às rosas
e uns vestidos em veludo...
Uns sapatos de camurça
p'ra mãe vestir isto tudo...
Vai um lencinho de seda
E uma mala de plica...
Minha mãe! Em S.to Antão
Ninguém será tanto rica...
Isto é só o que eu nomeio,
pois levo três malas cheias
de vestidos e chapéus,
e de vidro muitas meias!
Levo ofertas aos parentes
do Cruzal e Entre-Ribeiras.
Para o Chico do Boeiro
Levo duas cigarreiras...
À madrinha do Loural
Vou levar um guarda-sol...
E ao Martins um clarinete
P'ra tocar nem rouxinol.
À minha tia Pulquéria
Vou levar um avental
Pois quero que ela me dê
Inhames do Rabaçal.
Levo camisas às flores
pra os filhos do Pedroso...
Quero que eles me dêem
do bom vinho do Cardoso.
Pois meu marido já disse
Isto há-de ser assim tudo...
Iremos também comer
lapas no calhau miúdo!
... ... ... .. .. .. . . .. . . . .
Mandem fazer no cozinha
uma grande chaminé
E a nossa casa há-de ser
a mais linda em S. Tomé...
Quero sobrados nos quartos
E cortinas nas janelas...
Que eu já mandei p'ra o correio
uma saca cheia delas...
Vou mandar 70 dólares
P'ra começar a despesa.
Minha mãe não se esqueça
de mandar fazer a mesa
Para pôr à Filarmónica
que nos há-de vir saudar
Quero bolos e suspiros
Giribita com folar...
E por falar no folar
À minha avó agradeço
o que ela nos quis mandar
AI! que bom, gostei imenso...
Na Páscoa se Deus quiser
Estamos em S.to Antão
Quero assistir ao seu bodo
E fazer coroação.
Oxalá que esteja vivo
O Luís do Poço, folião.
Há-de tocar e cantar
Na festa da coroação.
Em Julho, a festa de Lourdes
Há-de ser feita por mim.
Tenho já todo o dinheiro
para a festa até ao fim.
Minha mãe pode avisar
o senhor Padre Leonardo
E diga ao mestre da música
o Senhor Padre Bernardo.
Vou mandar uma tarola
Só para o mestre Simão
ir tocar à nossa casa
no dia da procissão.
Somente o que eu não queria
p'ra se não verem à rasca
era homens nesse dia
metidos dentro da tasca...
Ai, não há nada mais feio...
Ai, não há nada mais triste
do que ver um homem bêbado,
como aí já se tem visto...
Minha Mãe, querida mãe
Vou terminar estas linhas
que levam meu coração
cheio de saudades minhas...
Meu pai, meu santo pai
Prenda do meu coração...
É a tua Margarida
que te vem beijar a mão...
Do meu filho e meu marido
aceitai o nosso amor.
Todos queremos ir ver-vos
Se o quiser nosso Senhor
Muitos beijos e abraços
e saudades sem ter fim...
Não se esqueçam de rezar
mas sobretudo por mim...
Façam visitas a todos...
os que por nós perguntarem
Para vós queridos pais
são adeuses sem findarem.
Adeus! Mil vezes adeus!
Adeus pai e mãe querida...
Somos seu genro e neto
Tua filha Margarida...
S. José da Califórnia
Vinte e três do mês de Abril...
Sou Margarida Vintém
Cheia de saudades, mil...
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Créditos: Dionísio Sousa Contacto: dionisiomendes@gmail.com