apagamento - substantivo masculino - centro de cultura ordovás - caxias do sul/rs
Todo ciclo significativo, ao encerrar-se, não delineia meramente um final, mas uma conclusão. O que é diferente, pois uma conclusão carrega consigo toda a experiência adquirida no percurso, as descobertas, as inquietações, os afetos, os desencontros e desencantos. E mais ainda, é recomeço em potência, um novo impulso que se anuncia.
Há 5 anos Élcio Miazaki iniciou uma jornada, emulando, como dito à época, o método do arqueólogo, do historiador e do colecionador, coletando objetos simbólicos para em seguida, feito artesão, manipulá-los. Com o passar dos anos seu método, que de início já era preciso e repleto de sensibilidade e sagacidade, logrou ser lapidado e refinado. Ao lado dessa evolução natural, sua obra teve a oportunidade de crescer e formar um conjunto maior, capaz de nos fornecer novas pistas. Em conjunto, os objetos dos quais se vale, assim como os vídeos e as pinturas, se revelam como o meio para comunicar algo que não poderia ser dito de outra forma, pois não nos bastaria compreender, e sim, sentir, experimentar.
Com 'Impulsos Imitativos', sua primeira individual, o artista deu corpo a uma linha investigativa que tem como base o universo militar, com tudo aquilo que lhe parece peculiar, como a falta de diálogo, o culto à masculinidade, a padronização dos indivíduos e a resolução violenta dos conflitos. Contudo, logo essa linha é extrapolada para a sociedade civil, que parece reproduzir orgulhosamente esses mesmos valores. As obras produzidas durante o período que se seguiu demonstram e problematizam o apagamento de tudo o que nega tal visão masculinizada do mundo. Poderia, afinal, o homem ser sensível, afetuoso, ou precisa ser inexoravelmente bélico? Esse excesso de rigidez estaria camuflando o indizível? A sociedade precisa mesmo imitar esse modelo em que “masculino” torna-se quase um verbo?
Desde 2017 a obra e a crítica ao mesmo tempo sensível e aguçada do artista só fazem avançar, enquanto os ponteiros da realidade que nos cerca parecem girar ao contrário. E é assim que a exposição 'Apagamento - Substantivo Masculino' marca precisamente o ponto em que Miazaki encerra um ciclo. No seio da cidade cujo nome rende homenagens ao Patrono do Exército Brasileiro, somos recebidos por soldados montados cavalgando em eterno retrocesso, para, no momento da despedida, nos depararmos com a única obra originada fora da vida militar e que, ao questionar o papel da preponderância do masculino e da hierarquização social, nos faz refletir sobre o modelo de mundo que queremos e nos desafia a promover novos impulsos. Desta vez, transformativos.
Alexander Santiago *
crítico/curador independente
* Mestre em Artes Visuais na linha de Ensino e Aprendizagem da Arte pela ECA-USP, Especialista em História da Arte pela FAAP e Licenciado em Educação Artística com ênfase em Artes Plásticas pela FPA. Integrou o Grupo de Pesquisa Imaginatur onde participou da organização e curadoria de exposições de arte e Seminários. Atuou como crítico independente, escrevendo textos sobre artistas e exposições de arte. Desde 2017 é Sócio Administrador e Produtor de Conteúdo do Superleituras, que divulga cultura de forma didática, prática e democrática.
APAGAMENTO_ SUBSTANTIVO MASCULINO
(ou 'Impulsos Imitativos')
Fichas obras
OBJETOS DE CENA #2 (série NASC.1986), 2021-2022. caderno de assinaturas, carimbos, suporte, pelúcia, acrílicos e elástico
Ciranda, 2017. papel, pvc, madeira, torno manual
s/ título (série Socorros psicológicos), 2021. madeira
Meios de reconstituição #1, #2 e #3, 2017-19. objetos, coberturas militares, ferragens, ataduras, acrílico, fotografias.
SETE CARAS #2 (série NASC.1986), 2022 impressão pigmento mineral sobre papel algodão, moldura reaproveitada
SACO DE PANCADA (série NASC.1986), 2022 rede metálica, ataduras, cabo de aço, ferragens
OBJETOS DE CENA #1 (série NASC.1986), 2021, máscara anti-gás, capacete PM de São Paulo, década 1970
EXPEDIENTE, 2021, acrílico
Monumentalidade inversa, 2016, fotografia, cadarço de algodão, moldura reaproveitada, papel
Primeiras camuflagens, 2017, cordão, fotografia
Mutilações, 2017, papel, pranchetas
s/ título, 2022, estilingue, brinquedo, acrílico
VIS, 2021, letras caixa em chapa galvanizada, madeira
Batalhão, 2018, envelopes brancos e vazios, envelope sob intervenção de censura
Ame-se (série Socorros psicológicos), 2019, madeira, tinta automotiva, giz, binóculo
Retroceder, 2017, relógio de barbearia em sentido anti-horário
s/ título, 2017, coturno
Radiografia #1, 2017-2018, estêncil, papel, caixa de luz, acrílico
VÍDEOS REUNIDOS
POSSE, 2019, colorido, c/ áudio, 1'52"
C.Q.D. (como se queria demonstrar), 2018, p/b, s/ áudio, 7'33"
(créditos)
atuação: Alexandre Colasuonno Orlandi, Antonio J. Mattos, Jay Laurentino, Rogério Baldini
câmera e finalização: JP Accacio
VEZ/ VENCIDOS (série NASC.1986), 2021, colorido, c/ áudio, 7'02"
(créditos)
atuação: André Kirmayr
câmera e finalização: João Mascaro
BOMBA 1968 (série NASC.1986), 2022, colorido, c/ áudio, 2' (parte 1 e parte 2 somadas)
(créditos)
atuação: André Kirmayr
som: Bruno Gold
...4, 3, 2, 1 colorido, c/ áudio, 1'42"
(crédito)
som: Bruno Gold
TONSORES (ou 'A NÃO-POGONOTOMIA')/ CABEÇAS A PRÊMIO, 2022, P/B, c/ áudio, 11'17"
(créditos)
atuação: Andrés Hernández e
Bruno Romi
câmera e edição: Gabriel Pessoto
som: Bruno Gold
assistência: João Galera
Lâminas, 2020, colorido, c/ áudio, 1'24"
(tempo total: 32'42")
Nuvens (ou 'De Alcides a João), 2020-21, álbum de fotografia, desmontado,
CABEÇAS A PRÊMIO, 2022, lâmpadas tubulares, cabelos, aparelhos e pincéis de barbear, lenços
Prontuários, 2018, gravuras em metal
Imobilidade (série Primeiros socorros), 2021, fotografia, ímãs
Servir-se de primeiros socorros, 2021, desenhos sobre louças
Leitos ocupam o alojamento em outro momento (série Persistência na retina), 2021. técnica mista sobre madeira
Soldados ocupam o alojamento em outro momento (série Persistência na retina/ Alojamentos), 2021. acrílica e grafite sobre tela
ARQUIVO MORTO, 2022, caixa acrílica, divisória em papel cartão, cabo de aço, ferragens
_
_