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fotos Miguel Aun

Impulsos Imitativos

Emulando os métodos do arqueólogo, do historiador e do colecionador, Élcio Miazaki coleta objetos simbólicos para em seguida, feito artesão, manipulá-los. Foi assim que o artista operou para, a partir do mundo militar, proceder à criação de um repertório que se faz familiar ao cotidiano civil, subvertendo as barreiras ideológicas a fim de investigar os pontos de coincidência existentes entre universos aparentemente tão distintos.

Fruto de um período de intensa imersão no próprio trabalho, a série ‘Impulsos Imitativos’ traz algumas constantes na obra de Miazaki, como uma melancolia e a indicação de incertezas. As peças expostas apontam para condições típicas da vida militar, carregadas com uma sensível visada crítica que salienta questões importantes sem se deixar levar pela ofensa gratuita. Em tempos de polarização e intolerância, o artista nos faz questionar se o “cavalo montado” que oprime as multidões não seria o mesmo homem que abandona seu posto para engrossar o coro dos descontentes, sem se importar com as consequências.

Este homem, assim como qualquer outro, não estaria sufocado por um peso incapaz de suportar? Teria uma simples escolha determinado profundamente seu caminho? O general, o patrão, o governo, a família, a sociedade, talvez sejam formas de nominar algo que precisamos que se exteriorize de alguma maneira, mas que carregamos no mais profundo recanto de nosso ser.

Perdemos nossa identidade em benefício de uma máscara unificadora, que faz com que nos reconheçamos como parte de algo maior, que prove que não estamos sozinhos. Mas a segurança é violenta e a liberdade assustadora. Só com algum esforço vencemos a força invisível que nos paralisa, nos impedindo de dar aquele passo decisivo.

Quem somos e como nos mostramos? Poderia nosso papel social nos definir? Ao optar pela simbologia das Forças Armadas para tratar de assuntos universais, o artista, mais que simplesmente revelar a alma que persiste camuflada pela rudeza militar, indica que somos todos soldados abandonados à própria sorte em um campo de batalha interior, cara a cara com nosso maior inimigo, aquela imagem que insiste em nos imitar e que não nos permite existir.

Alexander Santiago

(curador e crítico independente, mestre em artes visuais pela ECA – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – e especialista em História da Arte pela Fundação Armando Álvares Penteado)

fichas

1) parede à esquerda

1.1) Mutilações (díptico), 2016. papel, pranchetas

1.2) Monumentalidades Inversas (políptico), 2016/18. fotos, molduras reaproveitadas, cadarços, papel, massa epóxi, madeira. dimensões variáveis

2) parede central

2.1) Posse, 2018/19, vídeo 1'52" colorido c/ áudio

2.2) Retroceder (série Memorandos), 2017. relógio de sentido anti-horário em funcionamento, 35 x 35 x 7 cm

2.3) C.Q.D. (Como se queria demonstrar), 2018, vídeo 7’33” P/B s/ áudio e par de coturnos

créditos do vídeo:

idealização e direção:

Élcio Miazaki

atuação:

Alexandre Colasuonno Orlandi

Antonio J. Mattos

Jay Laurentino

Rogério Baldini

câmera e finalização:

JP Accacio

3) parede à direita

3.1) Toxidade, 2016. máscara de gás, ataduras, porta-curativos, marmiteira, cordão cru, louças militares e cabo de aço. 60 x 18 x 18cm

3.2) Itens de longa permanência como herança (ou parede do constrangimento), 2017. Louças militares e porta retrato militar de época com intervenção, cordão fiel duplo, ferragens. dimensões variáveis

3.3) Equivalências, 2016. fichário de mesa, fotos e abotoaduras militares. 23 x 17x 12cm

3.4) Primeiras camuflagens”, 2017. foto, linha e jugular militar. dimensões variáveis

3.5) Meios de reconstituição #3 (série Memorandos), 2019. uniforme militar, material têxtil. dimensões variáveis

3.6) Meios de reconstituição #1 (série Memorandos), 2017. uniforme militar, ferragens, cabos de aço. dimensões variáveis

3.7) Meios de reconstituição #2 (série Memorandos), 2017. uniforme militar, ferragens, cabo de aço. dimensões variáveis

4) espaço (vão) central

4.1) s/título, 2018/19. instalação. guarda-roupa, uniformes de época e atuais, ganchos de frigorífico, cabides, capacete, megafone, flâmula, lâmpadas. dimensões variáveis

4.2) Força Pública (série Memorandos), 2016/19. folhas impressas e fotos soltas, fichário sanfonado aberto. dimensões variáveis (obs.: essa peça ficou na parte interna do guarda-roupa)

4.3) Ciranda, 2017. papel, pvc, torno manual, madeira e ferragens. 160 x 40 x 40 cm

TOTAL: 15 trabalhos

Para a individual na CâmeraSete, por se tratar de um edital de fotografia, foi dada ênfase aos trabalhos que estavam relacionados - diretamente e indiretamente - , a referências imagéticas. Foram aumentadas as séries das fotos de épocas com as reproduções das personagens militares em miniatura; e a dos quepes reestruturados sobre uma base acrílica com fotos dos estados anteriores dos mesmos objetos. Destaque ao guarda-roupa, que antes pertencia ao mobiliário do ateliê, dessa vez exposto pela primeira vez, como trabalho. No interior dele, foi mantida a configuração original dessa peça no aletiê, estavam reunidos uniformes de época de um lado, e do outro, as peças que serviram de figurino ao vídeo 'C.Q.D.' (também na mesma exposição, na parede central do espaço, com a tela de tv no chão). Dentro do armário iluminado, havia também um fichário sanfonado com imagens impressas resultantes das pesquisas sobre a 'Força pública', um antigo órgão relacionado às tropas de choque e à polícia montada (guardas sobre cavalos).

fachada da CâmeraSete - A casa da fotografia de BH

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