As perspectivas históricas da terapia manual e os fatores que contribuíram para a sua evolução;
Quais os requisitos essenciais à prática adequada da terapia manual quanto ao ambiente, equipamentos, aspectos éticos e de biossegurança;
A identificar o correto posicionamento do paciente e as posições ergonômicas adequadas ao terapeuta para aplicação da terapia manual.
A terapia manual é uma área da fisioterapia que utiliza um conjunto de recursos terapêuticos manuais no tratamento de pacientes. Esses recursos são aplicados essencialmente com as mãos, instrumento principal de trabalho do fisioterapeuta, e são baseadas na fundamentação científica. Podem ser empregados como conduta única no tratamento fisioterapêutico ou estar associados a outros recursos terapêuticos, como a cinesioterapia, termoeletrofototerapia e mecânicos, entre outros.
Os recursos terapêuticos manuais podem auxiliar tanto no contexto diagnóstico quanto terapêutico em diversas áreas da fisioterapia, como traumato-ortopedia, neurologia, dermato-funcional, desportiva, hospitalar entre outras. Dentre o conjunto de técnicas manuais, destacam-se a massoterapia, terapias manuais articulares, miofasciais e neurais, baseando-se nos conhecimentos da anatomia palpatória, biomecânica e cinesiologia.
Esta disciplina tem por objetivo associar esses conhecimentos através de uma avaliação detalhada para escolha do melhor recurso terapêutico manual em cada caso clínico, proporcionando os melhores resultados ao paciente. O aprendizado das técnicas manuais vai sendo adquirido de forma progressiva, com embasamento teórico em cada tema e sob orientação em aulas práticas. Dessa forma, irá aperfeiçoar as manobras e ter competências e habilidades necessárias para a aplicação correta e eficaz em seus pacientes.
Para estudar os recursos terapêuticos manuais, inicialmente faremos uma introdução aos recursos terapêuticos manuais, apresentando a história do uso terapêutico das mãos e seu desenvolvimento, os cuidados necessários para a prática eficiente e ética dos atendimentos, bem como com o ambiente, equipamentos e estrutura física. Por fim, o posicionamento do fisioterapeuta e do paciente e os aspectos relacionados ao conforto de ambos.
Para iniciarmos o estudo dos recursos terapêuticos manuais, iremos abordar as perspectivas históricas até o surgimento da fisioterapia. A mão é utilizada como uma ferramenta terapêutica há milhares de anos por diversas civilizações, como Índia, China, Japão, Grécia e Roma. Vários problemas musculoesqueléticos eram tratados com o uso de massagens, manipulações e mobilizações. Na história, há registros de que um dos recursos terapêuticos manuais mais antigos é a massagem.
Certamente, em algum momento da sua vida, você já utilizou este recurso para alívio da dor. Por exemplo, é comum após nos chocarmos com um objeto, imediatamente esfregar a mão no local para aliviar a dor provocada pelo impacto. O efeito dessa ação simples foi um dos propulsores para o estudo dos efeitos terapêuticos do uso das mãos há milhares de anos.
Os primeiros relatos por escrito sobre a massagem datam de 2000 a.C na China. Entretanto, somente em 500 a.C., na Grécia, começou a ser difundida pelo “pai da medicina" Hipócrates. Em seus textos, ele relatou a eficiência da massagem no tratamento da dor, edemas, espasmos musculares, entre outros problemas musculoesqueléticos. Ele usou o termo anatripsis, que significa friccionar o tecido (posteriormente traduzido para a palavra de origem latina friction que significa fricção). Segundo Hipócrates “o médico deve ser experiente em muitas habilidades, mas certamente na fricção, pois friccionando, pode fortalecer uma articulação muito frouxa ou afrouxar uma articulação muito rígida”. Na mesma época, Hipócrates também contribuiu para o destaque das técnicas de manipulação da coluna vertebral ao escrever sobre o método no tratamento de desvios vertebrais associado aos exercícios.
Ao longos dos anos, diferentes culturas também desenvolveram estudos para explicar os efeitos de diferentes técnicas que foram surgindo ao redor do mundo, o que explica a diversas nomenclaturas para o uso da massoterapia.
Cada país no mundo oriental desenvolveu técnicas específicas de massagem.
Japão: desenvolveu o shiatsu, um conjunto de técnicas corporais e nos pontos de acupuntura chinesa denominado an ma.
Índia: criou a massagem ayurvédica e a shantala para bebês.
China: desenvolveu a à mó, que envolve técnicas de esfregar, pressionar, segurar e comprimir os tecidos com a mão.
A comunidade científica teve uma boa aceitação das técnicas manuais somente por volta do século XIX. Em 1814, Per Henrik Ling, considerado o pai da fisioterapia, associou a massagem a exercícios terapêuticos. Esse sistema era aplicado para minimizar a dor, melhorar a circulação, reduzir a tensão muscular e restabelecer a amplitude dos movimentos. Atualmente conhecido como massagem clássica ou sueca, o sistema serviu de base para muitas das técnicas atuais.
As técnicas de manipulação da coluna vertebral, em função dos riscos envolvidos, perderam a atenção da comunidade científica por um período. Somente no século XIX foi comprovada sua segurança na maioria das situações. No mesmo século, Andrew Taylor Still criou a osteopatia (1874) e David Palmer a quiropraxia (1897). A osteopatia e quiropraxia evoluíram e mantiveram seu espaço de diferentes formas como tratamento das disfunções musculoesqueléticas. Atualmente, ambas são reconhecidas como especialidades da Fisioterapia no Brasil pelo COFFITO, embora também possam ser reconhecidas como profissões independentes em outros países.
Por outro lado, a massagem foi amplamente utilizada pela enfermagem no tratamento das disfunções musculoesqueléticas de soldados durante a guerra. Em 1894, quatro enfermeiras (Margaret Palmer, Lucy Robinson, Rosalind Paget e Elizabeth Manley) fundaram a Society of Trained Masseuses, posteriormente chamada de Chartered Society of Physiotherapy, a qual é reconhecida como um dos marcos da Fisioterapia. O surgimento da fisioterapia somado ao conhecimento científico motivou maior ênfase nos estudos sobre o tema, que culminaram no surgimento de diversas escolas. Houve, inclusive, um período em que se utilizava o termo hands on, ou seja, coloque as suas mãos para trabalhar, para definir a prática clínica.
Atualmente, a terapia manual é uma importante ferramenta no tratamento de disfunções em diversas áreas da Fisioterapia, embora algumas técnicas também sejam utilizadas por outros profissionais como o massoterapeuta, por exemplo.
No contexto da fisioterapia, a terapia manual é um dos recursos possíveis que poderá ser aplicado isoladamente ou associado aos demais, ou, ainda, contraindicado para determinadas situações. Daí a importância da realização da avaliação do paciente para guiar o plano de tratamento.
De acordo com a Sociedade Americana de Fisioterapia é: um grupo de movimentos habilidosos da mão, incluindo, mas não limitado, às mobilizações ou manipulações usadas por fisioterapeutas para mobilizar ou manipular tecidos moles e articulações com o objetivo de reduzir a dor, aumentar a amplitude de movimento, reduzir ou eliminar edemas, inflamações ou restrições de tecidos moles, induzir o relaxamento, melhorar a extensibilidade de tecidos contráteis ou não contráteis e melhorar a função pulmonar.
O toque corporal é fundamental para a saúde e o conforto do ser humano em vários aspectos do indivíduo, como, por exemplo, o físico, o afetivo e, até mesmo, o sexual.
Embora possamos não perceber, o toque é uma forma de comunicação não verbal que utilizamos diariamente. A comunicação não verbal envolve manifestações de comportamentos que não são expressos com palavras e pode nos ajudar a identificar dor, medo, irritação, ansiedade ou a preocupação das pessoas à nossa volta.
É de fundamental importância reconhecer que o toque não se define apenas pelo ato físico de tocar. Ele compreende a forma de tocar, expressões faciais, atenção visual, tom de voz, iluminação, cheiros e os gestos que envolvem o outro. Por isso, o ato de tocar, que parece tão simples, pode ser decisivo na aquisição de confiança e influenciar na qualidade das relações que o fisioterapeuta vai estabelecer com o seu paciente. Mesmo com todas as técnicas bem escolhidas, após anamnese e avaliação bem realizadas, fatores de indicação e contraindicação bem definidos, ao tocar alguém, o fisioterapeuta estará invadindo um espaço pessoal e nem sempre o toque é permitido ou desejado. Sendo assim, é necessário observar os sinais emitidos pelo paciente e sempre lhe pedir licença para tocá-lo.
O toque desempenha um efeito sobre o estado emocional do indivíduo, o que chamamos de efeito psicogênico, uma ação reflexa do efeito acumulado de relaxamento dos músculos, que se estende para o indivíduo como um todo, criando uma mudança no seu estado emocional. Além disso, as manobras de massagem liberam substâncias químicas neuroendocrinológicas. Os hormônios também vão influenciar no bem-estar físico e, principalmente, emocional. São eles: dopamina (estimulante), serotonina (regula o humor, a saciedade, a sensação de fome, o ciclo sono-vigília), noradrenalina (estimulante) e cortisol (resposta ao estresse).
Instrumental: é caracterizado pelo toque físico apenas para procedimentos técnicos e prestação de assistência.
Expressivo ou afetivo: é espontâneo e aplicado de maneira mais humanizada, não estando relacionado a uma atividade específica.
Expressivo-instrumental: alia o toque espontâneo ao toque cujo objetivo é realizar um procedimento técnico.
Toque terapêutico: é uma terapia integrativa e holística baseada na técnica milenar de imposição das mãos que objetiva aliviar vários sintomas a partir da crença em uma energia vital e universal.
É indiscutível que todos os preceitos éticos presentes no código de ética profissional da Fisioterapia deverão ser seguidos na prática da terapia manual. Entretanto, é válido ressaltar a importância de considerar que o tratamento utilizando recursos manuais necessita de exposição da região a ser tratada, bem como de um contato direto do fisioterapeuta com o paciente. Assim, é imprescindível que o fisioterapeuta evite qualquer contato inapropriado ou exposição desnecessária do paciente. Conduzindo o tratamento com profissionalismo e respeitando a intimidade e a dignidade do paciente.
III- respeitar o natural pudor e a intimidade do cliente/paciente/usuário;
V- informar ao cliente/paciente/usuário quanto à consulta fisioterapêutica, diagnóstico e prognóstico fisioterapêutico, objetivos do tratamento, condutas e procedimentos a serem adotados, esclarecendo-o ou o seu responsável legal.
VI- prestar assistência fisioterapêutica respeitando os princípios da bioética.
Outro item que merece destaque (já citado ao falarmos sobre o toque) refere-se ao consentimento, bem como todas as informações necessárias que possibilitem ao paciente compreender o tratamento, como, por exemplo, o objetivo da exposição da área. Quanto à exposição, recomenda-se o uso de lençol com cobertura simples que deve ser movimentado para expor somente a parte do corpo a ser tratada. Alguns profissionais também optam por aventais que permitem a mesma função, preservando a intimidade do paciente.
Figura 1: Na esquerda, exemplo de cobertura para terapia em região inguinal e parte inferior do abdome. A e B com lençol e C com avental de exames. Na direita, a cobertura para paciente mudando de posição. Fonte: Clay, 2003.
Como profissional na área da saúde, o fisioterapeuta deve apresentar-se com bom padrão de limpeza e higiene pessoal.
Cabelos compridos devem ser mantidos presos.
O uso de acessórios incluindo anéis, relógios, pulseiras, colares e brincos grandes não devem ser utilizados.
A vestimenta deve ser adequada, ou seja, limpa e confortável permitindo boa movimentação e garantir padrão profissional de tratamento. Use o bom senso na escolha.
Ser lavadas entre os atendimentos e mantidas sempre limpas.
O fisioterapeuta deve manter unhas curtas e limpas;
Sugere-se que calosidades da mão sejam tratadas para que não se tornem desconfortáveis durante o contato manual. Recomenda-se o uso de hidratantes.
As mãos ideais para a prática devem ser macias, quentes, flexíveis e secas.
Muitas vezes, para a execução eficaz do movimento é necessário controlar o atrito entre as mãos do fisioterapeuta e o corpo do paciente, para isso são utilizados lubrificantes. Dentre os mais comuns estão os cremes, óleos e talcos. O talco é mais utilizado nas terapias articulares, enquanto óleos e cremes são preferidos nas massagens por facilitarem os deslizamentos.
É importante atentar para a quantidade de produto adequada ao tamanho da área a ser aplicada. Sugere-se produtos neutros e sem perfume para evitar possíveis reações alérgicas, bem como agradar mais facilmente a todos os pacientes.
O ambiente de atendimento é muito importante para garantir conforto ao paciente e ao fisioterapeuta.
O ambiente deve ser tranquilo, podendo utilizar música ambiente, caso o paciente goste;
Privacidade adequada;
Iluminação suave, traz mais conforto facilita o relaxamento;
Temperatura moderada em torno de 22 a 24ºC;
Imprescindível elevado padrão de higiene e organização;
Posicionamento seguro e confortável.
O profissional não pode se esquecer das normas de biossegurança no tocante à sua sala de atendimento. Tais normas dizem respeito ao uso de lençóis descartáveis e de toalhas ou lençóis brancos para cobrir o paciente e à utilização de óleos ou cremes com registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de luvas em caso de doenças contagiosas ou se houver alguma ferida (seja na mão do massoterapeuta ou no corpo do cliente) e de cesto de lixo com pedal para acionamento e lavatório para as mãos.
Além do ambiente adequado, alguns materiais podem ser utilizados tanto para o conforto do paciente quanto para assegurar movimentos mais ergonômicos do fisioterapeuta. Vamos iniciar pela mesa ou maca terapêutica. A altura da maca deve ser adequada garantindo conforto para o fisioterapeuta, com bom posicionamento da coluna e membros superiores livres. Em macas fixas, como as de madeira, que não possuem ajustes, o fisioterapeuta deve ficar atento ao seu posicionamento biomecânico correto, para evitar lesões. Ainda temos as macas hidráulicas elétricas que, sem dúvida, são a melhor opção, pois permitem o ajuste de vários pontos, facilitando o posicionamento do paciente e conforto do fisioterapeuta.
Outra opção de equipamento bastante utilizada, principalmente para massoterapia, são as cadeiras de massagem. Pode ser utilizada para pacientes que têm dificuldade em permanecer em decúbito ventral ou para técnicas específicas. Os travesseiros de pronação são opção para dar suporte à cabeça e aos ombros do paciente. A cunha conhecida como travesseiro inclinado também pode ser utilizada como um apoio para o paciente sentado na maca ou também para os membros inferiores.
Deitado em supino (deitado em decúbito dorsal, ou seja, com a face voltada ao teto).
Deitado em prono (deitado em decúbito ventral, ou seja, com a face voltada ao chão).
Sentado com as pernas apoiadas.
Sentado com as pernas apoiadas e os membros superiores apoiados à frente.
Para que o fisioterapeuta aplique a massagem ou qualquer outro recurso terapêutico manual, é fundamental uma postura adequada. Antes de discutir técnicas específicas, devemos considerar as demandas do corpo do fisioterapeuta e as formas mais seguras e eficazes de usá-lo.
Use o peso do corpo, não a força muscular, para aplicar a pressão;
Mantenha as articulações por meio das quais o peso é transmitido relativamente retas (mas não travadas) e evite a sua hiperextensão;
Deixe seu peso ser transferido por meio do máximo possível de articulações, em uma linha relativamente reta;
Mantenha a escápula (articulação glenoumeral) voltada para baixo para melhor distribuição de peso entre as articulações;
Apoie sempre que possível a parte do corpo que está aplicando a pressão, ou seja, faça reforço e suporte com a outra mão;
Sempre que usar força, use seus músculos mais fortes. Por exemplo: controle o centro de gravidade com as pernas; deixe o movimento partir do centro de gravidade e das pernas, não dos braços;
Os ajustes da maca descritos no item anterior devem ser observados;
Por fim, analise a biomecânica corporal entre os fisioterapeutas, embora os mesmos princípios gerais sejam empregados, então preste atenção no seu corpo e conheça sua biomecânica.
CASSAR, Mario Paul. Manual de massagem terapêutica. São Paulo: Manole, 2001.
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Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Marcelo Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Ane Arduim