Dossiê - CULTURA AFRO e Direitos Humanos no BRASIL

Post date: 16/07/2014 02:56:51

Cultura afro-brasileira

Denomina-se cultura afro-brasileira o conjunto de manifestações culturais do Brasil que sofreram algum grau de influência da cultura africana desde os tempos do Brasil colônia até a atualidade. A cultura da África chegou ao Brasil, em sua maior parte, trazida pela escravidão africana na época do tráfico transatlântico de escravos. No Brasil a cultura africana sofreu também a influência das culturas europeia (principalmente portuguesa) e indígena, de forma que características de origem africana na cultura brasileira encontram-se em geral mescladas a outras referências culturais.

Traços fortes da cultura africana podem ser encontrados hoje em variados aspectos da cultura brasileira, como a música popular, a religião, a culinária, o folclore e as festividades populares. Os estados do Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul foram os mais influenciados pela cultura de origem africana, tanto pela quantidade de escravos recebidos durante a época do tráfico como pela migração interna dos escravos após o fim do ciclo da cana-de-açúcar na região Nordeste.

O Povo negro do Brasil

A identidade de um povo, num Estado nacional, pode se transformar, lentamente, seguindo as modificações históricas ou de forma mais veloz, sobretudo em períodos de guerra ou de grandes transformações locais ou mundiais. Muitas vezes tais mudanças são geradas durante certo tempo e, a partir de algum movimento, tornam-se visíveis.

Assim sendo, para entender o presente, é preciso compreender o que a história significa no passado e para o futuro e, ainda, a diferença entre a história, os pontos de vista históricos e as interpretações da história. O Estado brasileiro, escravista durante mais de trezentos anos, reestruturado por conceitos republicanos excludentes, impôs e estimulou, ao longo da história, conceitos de nacionalidade que determinaram um discurso cultural distante da realidade multi-cultural do país.

A cultura brasileira, essencialmente permeada por valores femininos, negros, caboclos, indígenas, definida por encontros e conflitos, foi mediada, durante anos, pelo discurso da democracia racial e sua manifestação material legitimada a partir de uma leitura política branca.

A rica diversidade da cultura dos povos de origem européia aqui recriada, as africanidades brasileiras, as contribuições asiáticas, judias e árabes, as expressões indígenas resultantes dos conflitos da colonização, as características de nossa 'antropofagia', nossa identidade construída com referência em uma diversidade hierarquizada -, nem sempre essa dinâmica foi considerada pelo discurso que justifica e teme as desigualdades estruturais.

Começa, porém, a ser desenhada uma cultura de democracia participativa, que necessariamente inclui a cidadania cultural. O Brasil, Estado/nação, vive, neste momento, um período privilegiado no que diz respeito às possibilidades de concretizar transformações fundamentais abortadas em vários períodos da história. As profundas transformações dos conceitos de identidade nacional são então amparadas por uma política cultural inclusiva, que começa a se materializar valorizando a diversidade e desestruturando a hierarquia herdada da escravidão.

Espelho, espelho meu.... Em 1814, o governo geral do Rio de Janeiro recomenda ao governador da Bahia: 'Determina Sua Alteza Real que V. Exa. proíba absolutamente os ajuntamentos de Negros chamados vulgarmente batuques, não só de dia, mas muito particularmente de noite, pois ainda que se lhes permitisse isto para os fazer contentes não deve continuar esta espécie de divertimento, depois de terem abusado tanto dela.'

(Com o aumento das revoltas da escravos e de outros grupos pobres, principalmente a partir do fim do século XVIII, os batuques foram considerados focos de rebelião e esteticamente proibidos)

O Brasil tem a maior população negra fora da África e a segunda maior do planeta. A Nigéria, com uma população estimada de 85 milhões, é o único país do mundo com uma população negra maior que a brasileira.

Responsável pelo maior translado humano da história - entre 3,6 e 5 milhões de africanos foram importados para o Brasil, de várias partes do continente africano -, a escravidão gestou estruturas, relações sociais e econômicas, valores e conceitos, visão de mundo incluindo visão de Estado, que tinham por meta sua permanência, sobrevida e a manutenção dos privilégios resultantes.

Só a partir da década de 1930, com base, principalmente, nas teses sobre a miscigenação e na forma envergonhada de expressão do discurso racista, consolidou-se no país o mito da democracia racial. O que significa que, ainda durante a maior parte deste século, foram inibidas ações de combate ao racismo, a organização cultural e política dos negros brasileiros, e a implantação de políticas para a superação das desigualdades raciais. No período pós-Abolição, a ausência de um sistema legal explícito que definisse as desigualdades e, ainda, as africanidades

visíveis da cultura brasileira, serviu como argumento para que o Estado e a sociedade desconsiderassem a necessidade de se criar mecanismos para a inclusão do povo negro no processo de desenvolvimento nacional.

A rica história invisível dos seres escravizados nos vários países africanos, sua recriação cultural, são apenas parte do ser cultural brasileiro. A polícia, a prática da medicina e das outras ciências, a cultura de produção rural e de utilização da terra, a política de imigração, o sistema político, os métodos utilizados para a sistematização dos dados, as relações de produção e de gerenciamento da riqueza, o regime de propriedade e de créditos, o sistema legal e o escolar, o mercado de trabalho, tudo foi estruturado para atender à necessidade de enriquecer os senhores, de controlar o escravo ou, depois, para consolidar e justificar as desigualdades. Mais de trezentos anos de escravidão, do século XVI até o final do século XIX, como instituição legal, social e econômica, que determinou o estilo de vida do Brasil colônia, representam uma referência histórica fundamental para se compreender as desigualdades raciais no país, e o aprofundamento da hierarquização dos direitos e da própria definição de humanidade, de valor social da pessoa.

O escravo, para que a escravidão se justificasse, não era considerado um ser totalmente humano por nenhuma das instituições, inclusive pela igreja. As práticas culturais e religiosas, a visão de mundo desse conjunto humano foram sistematicamente desqualificadas, apesar de sua integração ao modo de ser nacional, após mais de trezentos anos de convivência cultural, e sendo a sua força de trabalho responsável pelo desenvolvimento da economia. A aparência física dos negros, exceto quando se tratava de servir sexualmente os senhores, foi associada à dos animais e esteticamente desagradável ou inferior. Seu corpo era para o trabalho e sua força utilizada corno a dos animais. A participação nas artes, extremamente relevante sobretudo no século XVIII, pouco ampliou os seus direitos, ou lhes assegurou o exercício da cidadania.

"Durante a escravidão, e mesmo após, as expressões religiosas negras foram descritas por escrivão de polícia a que narrava invasões de terreiros ou derrotas de revoltas, por autoridades eclesiásticas e civis preocupadas em combater a 'feitiçaria' e a subversão dos costumes..." -

João José Reis

Se o movimento abolicionista foi longo, heterogêneo e, por fim, vitorioso, a República surgiu como reação ao fim absoluto da escravidão, apesar do engajamento de lideranças negras no movimento republicano.

Várias peças religiosas tomadas dos 'pretos', africanos, e dos 'criolos', afro-brasileiros, ainda hoje estão nas delegacias, senão foram destruídas ou desapareceram.

Principalmente a partir da promoção, pelo Estado, da imigração européia subvencionada para substituir a mão-de-obra negra, da criação de status superior de cidadania para os imigrantes recém-chegados em relação aos negros, das promessas do Estado de embranquecer a nação, da participação periférica dos afro-brasileiros no processo de industrialização, da fraca representatividade política, da desqualificação de suas referências culturais, estruturou-se o que pode ser chamado o sistema de exclusão racial informal.

O desejo, a quase que necessidade brasileira de ser uma democracia confundiu-se com o mito desmobilizador longamente cultivado.

Zumbi, mostra a tua cara!

Agora, no final de seu quarto de século, o país passa por profundas transformações. No início dos 1900, representantes do Estado e dos setores dirigentes prometia que este seria um país branco em cem anos, como forma de assegurar presença respeitável nos conclaves internacionais. As projeções para o V Centenário, os cenários desenhados para a o início do próximo milênio, mostram, entretanto, que a diversidade e a expressão afro-brasileira agregam valor ao Brasil no cenário mundial. Mas, que processos culturais permitirão as imensas possibilidades humanas de valorizar suas diferenças? Que processos transformarão o imaginário social que manifesta perversamente o racismo envergonhado, e se justifica com a afirmação de que aqui não se pratica racismo como lá ... ?

Novas referências estão sendo construídas para que a política cultural inclua a riqueza material e imaterial gestada pelos africanos e seus descendentes brasileiros.

Os produtores e criadores negros, os intelectuais, movimentos militantes, todos têm papel relevante nesse processo, e têm sido considerados. Entretanto, ainda não é possível ter certeza da imagem real de Zumbi dos Palmares (enquanto são vários os desenhos que retratam Domingos Jorge Velho) para que, além de ocupar a galeria dos heróis, possamos ter sua foto estampada nas moedas nacionais. Ou ir além das caricaturas de Anastácia e Chica da Silva e, ainda, descobrir a história verdadeira do fim de Luiza Mahin, a mãe de Luiz Gama. Somente diretrizes e investimento político do Estado têm sido capazes de interferir na estrutura dinâmica cultural e de criar mecanismos distributivos para compensar as desigualdades históricas. Isso para que as mudanças não sejam cosméticas.

Religiões em constante ameaça

Vistos com preconceito, candomblé e umbanda são cada vez menos representativos da religiosidade do brasileiro. A contribuição das crenças afro-brasileiras para a identidade nacional é, no entanto, inegável.

Carolina CantarinoAs religiões afro-brasileiras, ao longo de sua trajetória histórica, ganharam reconhecimento tanto por seu papel na preservação e reinvenção da herança africana como por sua contribuição para a cultura nacional. Na capoeira, na religiosidade particular que se expressa em festas como as de São Cosme e Damião ou do Divino Espírito Santo, nas manifestações musicais como o samba, o afoxé, o jongo ou o maracatu, nas esculturas de Mestre Didi ou nas pinturas de Rubem Valentim, múltiplos são os diálogos dessas religiões com a diversidade cultural do Brasil.

Mas a luta histórica dessas religiões contra o preconceito continua. Cada vez mais ameaçadas por um cenário de intolerância religiosa crescente, as concepções, os rituais e o panteão de religiões como o candomblé, ainda são um patrimônio desconhecido para muitos brasileiros. Muitas vezes, é esse desconhecimento que dá margem ao preconceito contra essas religiões e seus adeptos. O sociólogo Reginaldo Prandi, em artigo publicado na revista Estudos Avançados, chama a atenção para o fato de que o segmento das religiões afro-brasileiras (candomblé, umbanda e outras denominações) está em franco declínio em comparação com outras religiões. Segundo o Censo de 2000, apenas 0,3% dos brasileiros declararam-se pertencentes a uma das religiões afro-brasileiras, o que corresponde a pouco mais de 470 mil seguidores. Em 1980, os adeptos do candomblé e da umbanda correspondiam a 0,6% da população brasileira, e em 1991, a 0,4%.Intolerância religiosa

Dentre as razões que explicariam o declínio estaria a concorrência com as outras religiões, principalmente as neopentescostais. O ataque ao candomblé e à umbanda seria constitutivo da própria identidade dessas igrejas. Já há alguns anos, contudo, estaria havendo uma mobilização contra esses ataques. Um dos casos mais recentes de intolerância religiosa envolve a Igreja Universal do Reino de Deus. Em julho desse ano, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia condenou a igreja e a Editora Gráfica Universal a pagar, cada uma, uma indenização no valor de 480 mil reais à ialorixá Jaciara Santos Ribeiro e aos membros de sua família, do terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, localizado no bairro de Itapuã, em Salvador. Além da indenização, a gráfica da Igreja Universal deverá publicar a sentença, em duas edições consecutivas, na capa do seu jornal cuja tiragem alcança quase um milhão e meio de exemplares.A igreja e a gráfica foram processadas por danos morais e uso indevido da imagem de Mãe Gilda no Jornal Universal que, numa edição de 1999, publicou uma foto da ialorixá (retirada de um exemplar da revista Veja de sete anos atrás) com uma tarja preta sobre os seus olhos e a seguinte frase: “macumbeiros e charlatães lesam bolso e vida do cliente”. Depois da publicação da foto, o terreiro se tornou alvo da violência de alguns evangélicos que chegaram a invadi-lo numa tentativa de “exorcizar” Mãe Gilda, que faleceu em janeiro de 2000, um dia depois de assinar uma procuração para iniciar a ação contra a Igreja Universal. Sua filha, Jaciara, deu prosseguimento ao processo. A igreja recorreu da decisão judicial e o caso deverá ser tratado, agora, no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.Mercado religioso

Além da intolerância religiosa, características constitutivas da própria organização das religiões afro-brasileiras desfavoreceriam sua concorrência no “mercado religioso”: o candomblé e a umbanda se organizam a partir de pequenas comunidades, com cerca de 50 membros, que se congregam em torno de uma mãe ou pai-de-santo, acima dos quais não há nenhuma autoridade. A autonomia de cada terreiro ou casa de culto tende a dificultar o estabelecimento de estratégias comuns entre eles para lidar com as outras religiões. Em contraposição a esse perfil comunitário e familiar da umbanda e do candomblé, igrejas neopentecostais - ou mesmo a ala da Igreja Católica conhecida como Renovação Carismática - apresentam-se como religiões de massas, que reúnem milhares de adeptos.“Fragmentada em pequenos grupos, fragilizada pela ausência de algum tipo de organização ampla, tendo que carregar o peso do preconceito racial que se transfere do negro para a cultura negra, a religião dos orixás tem poucas chances de se sair melhor na competição – desigual – com outras religiões. Silenciosamente, assistimos hoje a um verdadeiro massacre das religiões afro-brasileiras”, alerta Reginaldo Prandi.

À perseguição e ao preconceito contra os cultos afro-brasileiros somam-se os problemas cotidianos do povo-de-santo que, como a maioria dos brasileiros, precisam enfrentar a pobreza e outras dificuldades resultantes das desigualdades sociais. “Na Bahia, a qualidade de vida das pessoas negras e pobres é muito ruim. Muitos estão morrendo de fome ou padecendo de epidemias que já deviam estar superadas como a tuberculose. Há um genocídio contínuo de jovens negros entre 14 e 22 anos, que são freqüentemente assassinados por grupos de extermínio. Não se pode separar a preocupação com a memória e o patrimônio da preocupação com a qualidade de vida das pessoas”, afirma Ordep Serra, antropólogo da Universidade Federal da Bahia.

Nesse contexto é que a transversalidade nas políticas culturais se mostra importante. No caso dos terreiros de candomblé (veja a reportagem Quando os deuses se materializam nesta edição) e das comunidades remanescentes de quilombos, por exemplo, a continuidade e a preservação de sua cultura são inseparáveis do seu território. Por isso, a propriedade da terra é imprescindível para essas comunidades. (veja a reportagem Território negro nesta edição).

Violência racial nos EUA:

Acompanhe o caso Michael Brown

e os protestos em Ferguson

Morte de jovem negro por policial branco acirrou tensão racial nos EUA. Cidade no Missouri enfrenta protestos violentos e saques quase todas as noites. Uma cronologia dos fatos.

9 de agosto de 2014: Michael Brown, de 18 anos, é baleado por um policial na cidade de Ferguson, em Saint Louis, estado do Missouri. As informações iniciais sobre as circunstâncias que levaram aos tiros são contraditórias. Segundo a polícia, Brown teria tentado roubar diversos pacotes de cigarrilhas de uma loja e se comportado de forma "agressiva", antes de ser alvejado. (abaixo, foto de Michael Brown e a irmã)

Uma testemunha relata a jornalistas uma sequência de fatos diferente, porém: Brown estaria a caminho para a casa da avó. Ao receber os tiros, teria as mãos levantadas. Como a grande maioria da população de Ferguson, o jovem era afro-americano. 10 de agosto de 2014: Pela manhã a polícia convoca uma coletiva de imprensa. Segundo Jon Belmar, chefe de polícia do condado de St. Louis, o agente que disparou contra Michael Brown foi empurrado de volta para o carro policial e lá "atacado". O primeiro disparo teria sido feito ainda de dentro do veículo, sem atingir ninguém, e os tiros fatais, já do lado de fora. Diversas perguntas da imprensa sobre os acontecimentos permaneceram sem resposta.

Em memória de Brown, um grupo se reúne à tarde, nas proximidades do local do homicídio. Alguns oram, outros protestam contra a polícia. Pela noite adentro, os protestos acabam em violência, lojas da área são saqueadas. Um helicóptero policial é atingido por tiros.

LEIA: CAMPINA GRANDE (PB) - 2ª Marcha contra o genocídio do Povo Negro

11 de agosto de 2014: Trabalhos de limpeza após uma noite de violência. À tarde, os pais de Brown apelam aos manifestantes para que mantenham a calma, mas à noite voltam a ocorrer protestos, violência e saques. Pela primeira vez a polícia emprega gás lacrimogêneo.

12 de agosto de 2014: A polícia se recusa a divulgar o nome do agente atirador, declarando que ele teria recebido ameaças de morte. O presidente Barack Obama pede calma aos habitantes de Ferguson e expressa condolências à família da vítima. Na terceira noite de protestos violentos, há emprego de gás lacrimogêneo e de veículos blindados.

13 de agosto de 2014: Durante o dia, os moradores de Ferguson se manifestam pacificamente. A intervenção da polícia é criticada pela opinião pública. À noite volta a ocorrer violência. As forças de segurança respondem com gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral.

14 de agosto de 2014: Obama conclama à "paz e calma" em Ferguson. Jay Nixon, governador do Missouri, transfere o comando da operação, da polícia local para a Missouri State Highway Patrol, a policia estadual. A chefia é entregue a Ronald Jonson, afro-americano e natural de Ferguson. No início da noite, no Gateway Arch, marca registrada de St. Louis, há protestos, a maioria silenciosos, contra a violência policial, com a participação da família de Brown. A noite em Ferguson é tranquila.

15 de agosto de 2014: A polícia revela pela manhã o nome do atirador: Darren Wilson, policial branco com seis anos de experiência profissional que até então nunca chamara a atenção negativamente. À noite há protestos pacíficos, enquanto paralelamente os saques prosseguem. Ocorrem choques entre manifestantes e saqueadores. A polícia está presente, mas se mantém basicamente neutra. 16 de agosto de 2014: O governador Jay Nixon decreta estado de exceção e toque de recolher em Ferguson, entre a meia-noite e as 5h da manhã. Apesar disso, violência e saques continuam.

17 de agosto de 2014: Segundo uma perícia encomendada pelos pais de Michael Brown, o jovem foi atingido por seis balas, duas na cabeça e quatro no braço direito, todas pela frente. Acontecem novos distúrbios à noite, antes mesmo do início do toque de recolher. Manifestantes isolados atacam os policiais com coquetéis molotov, segundo a polícia há também disparos entre a multidão. Os agentes empregam gás lacrimogêneo para dispersar os protestos.

18 de agosto de 2014: Com base numa autópsia privada, um advogado da família de Brown confirma que o jovem foi atingido por pelo menos seis tiros. O governador Jay Nixon autoriza a mobilização da Guarda Nacional americana para Ferguson. Na esperança de uma distensão, ele suspende o toque recolher, porém novos choques deixam feridos.

19 de agosto de 2014: Em carta publicada por um jornal de St. Louis, o procurador-geral Eric Holder promete investigação minuciosa do caso Brown e apela pelo fim da violência, anunciando um encontro com agentes do FBI em Ferguson. É marcado o inicio do exame das evidências por um grand jury, com o fim de definir se Darren Wilson será acusado de homicídio. Os protestos arrefecem, porém mesmo assim são detidas 47 pessoas, a maioria por ignorar ordens de dispersar.

No norte de St. Louis, a apenas quatro quilômetros de Ferguson, a polícia mata um afro-americano de 23 anos. Segundo o chefe de polícia local, Sam Dotson, ele haveria ameaçado os agentes com uma faca e os desafiado a matá-lo.

Restrições a repórteres põem em questão

liberdade de imprensa em Ferguson

Enquanto violência escala na cidade, jornalistas são alvos de detenções e medidas restritivas por parte das autoridades na cobertura dos protestos. Criticada por ONGs e mídia, polícia alega questões de segurança.

A Guarda Nacional dos Estados Unidos foi mobilizada para a cidade de Ferguson, no estado do Missouri, mas se mantém longe dos principais palcos dos protestos. A polícia tenta assumir com mão de ferro o controle da situação, resultante da morte a tiros do afro-americano Michael Brown, de 18 anos e desarmado, por um policial branco. A ação repressiva tem tido consequências também para o trabalho da imprensa.

Nos últimos dias, diversos jornalistas têm sido impedidos de apurarem livremente sobre a situação na cidade. Um fotógrafo da agência Getty Images que registrara os protestos foi temporariamente detido. O mesmo ocorreu com repórteres dos jornais Washington Post e Huffington Post. Uma equipe de TV da emissora árabe Al Jazeera foi atacada com gás lacrimogêneo, segundo informações da polícia.

Na segunda-feira (18/08), três jornalistas alemães foram levados algemados e detidos por algumas horas pela polícia. Eles teriam supostamente resistido à ordem policial de não permanecerem parados numa rua – aliás, vazia. Os profissionais pretendiam registrar imagens do posto de gasolina saqueado e incendiado na última semana.

Estratégia policial

As regras para manutenção da segurança pública em Ferguson preveem que transeuntes isolados se mantenham em movimento caso não se encontrem numa "zona organizada de protesto".

"Esse é um método que as autoridades dos EUA têm empregado repetidamente nos últimos dez a 15 anos", explica Gregory Magarian, especialista em direito da Washington University em St. Louis. "Elas tentam concentrar os manifestantes numa área fechada, a fim de fazer impor a lei mais facilmente."

Ansgar Graw e Frank Herrmann estão entre os jornalistas da Alemanha presos temporariamente. Graw, correspondente do diário Die Welt, afirma que a polícia impediu a ele e a outros jornalistas de realizarem seu trabalho.

"Isso é uma violação gritante da liberdade de imprensa", critica. Herrmann, que trabalha para alguns jornais regionais, classificou como "totalmente absurdas" as justificativas das prisões, que segundo ele visariam intimidar os jornalistas.

RSF: "Inaceitável"

"A detenção de jornalistas só é legalmente admissível se a polícia se encontra diante de uma situação de emergência", diz Gregory Magarian, que se especializa em liberdade de imprensa. Isso não se aplica apenas a jornalistas, aliás. E, desse ponto de vista, nenhuma das prisões de representantes da imprensa em Ferguson foi lícita. "Há muitos casos em que a polícia fica de mira nos jornalistas. E não só enquantoestes realizam seu trabalho, mas sim porqueeles fazem seu trabalho." Isso é uma violação da Primeira Emenda da Constituição americana, que garante a liberdade de imprensa, lembra Gregory Magarian.

Ele comenta que os protetores da lei em Ferguson e do condado de St. Louis viviam aparentemente numa bolha, sem perceber que percepção os cidadãos dos EUA e do mundo inteiro tinham suas ações: "Não sei o que precisa acontecer para que essas pessoas entendam que aquilo que fazem parece horrível para muita, muita gente."

Em Berlim, o escritório alemão da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) criticou duramente as prisões recentes, denominando-as "totalmente inaceitáveis". "Nós exigimos que os repórteres possam realizar seu trabalho em Ferguson sem terem medo de detenção, ou mesmo de que se atire neles."

Nas proximidades da cidadezinha no Missouri, nesta quarta-feira, ocorreu um novo incidente fatal. No norte de St- Louis, policiais mataram a tiros um afro-americano de 23 anos que supostamente estava armado com uma faca.

Velório de Michael Brown reúne milhares em dia sem protestos

Família do adolescente pede "dia de silêncio", e manifestações são interrompidas em Ferguson em respeito à vítima. Ativistas dos direitos civis, como Martin Luther King III, e representantes da Casa Branca comparecem.

Milhares de pessoas compareceram nesta segunda-feira (25/08) ao velório do jovem negro Michael Brown, de 18 anos, morto no início do mês por um policial branco em Ferguson, subúrbio de St. Louis, no estado americano do Missouri.

A morte de Brown, que estava desarmado quando foi abordado pelo policial Darren Wilson, causou uma série de protestos em Ferguson, aumentando a tensão racial nos EUA e fazendo com que o governo americano reavalie o uso da força pela polícia no país.

Uma hora antes do início do velório, centenas de pessoas já formavam filas diante da igreja batista Friendly Temple Missionary, em St. Louis.

Do lado de dentro, o caixão de Brown, fechado, estava cercado de fotos do jovem. "Não há adeus para nós, onde quer que você esteja você sempre estará nos nossos corações", dizia um cartaz perto de uma das fotos.

Um boné do time de beisebol Cardinals – o mesmo que o jovem usava no dia em que foi morto— repousava em cima do caixão. Enquanto os lugares da igreja eram tomados, muitos cantavam música gospel, dançavam e aplaudiam.

Entre os presentes estavam ativistas dos direitos civis como Al Sharpton, Jesse Jackson e Martin Luther King III. O presidente Barack Obama enviou três representantes da Casa Branca ao velório. O enterro do jovem foi em uma cerimônia privada apenas para parentes e amigos no cemitério de Saint Peter.

Caixão de Michael Brown durante velório em Saint Louis

"Nós devemos transformar esse momento em um movimento... rumo a soluções: como lidamos com o policiamento agressivo do que é considerado crime de baixo nível", disse Sharpton.

No domingo, o pai de Brown – também chamado Michael Brown— pediu aos manifestantes que parassem com os protestos na segunda-feira e observassem um “dia de silêncio” para que a família pudesse velar o corpo do jovem.

"Amanhã, tudo o que eu quero é paz", disse ele acompanhado dos pais de Trayvon Martin, um adolescente negro da Flórida que, mesmo desarmado, foi morto por um segurança comunitário em fevereiro de 2012. "Por favor, isso é tudo o que peço."

Pausa para o velório

O pedido do pai de Brown pareceu ser atendido pelos manifestantes. Na delegacia de polícia de Ferguson, onde um grupo vem fazendo vigília durantes as duas últimas semanas, um sinal anunciava uma "pausa para o velório".

Brown estava desarmado quando foi abordado por Wilson em 9 de agosto. De acordo com a autópsia, o jovem foi baleado seis vezes.

Um júri está avaliando provas sobre o ocorrido, e uma investigação federal também já está em curso. De acordo com um promotor local, o processo pode durar até meados de outubro.

A morte de Brown também fez com que Obama ordenasse uma revisão de programas federais que financiam equipamentos militares para policiais. A medida tem como objetivo determinar se esses equipamentos são apropriados e se os policiais que os manuseiam recebem treinamento suficiente para usá-los.

RM/ap/afp/dpa/rtr

O caso Michael Brown e a hipocrisia no Brasil

Jornal do Brasil*Mônica Francisco

Há dias quero escrever sobre a resposta da população negra e a forte mobilização que se seguiu ao assassinato do jovem Michael Brown no Missouri (EUA), e se espalhou por todo o país.O que me incomodou e ainda incomoda desde o início foi o tom que os noticiários de maneira geral deram e continuam dando ao assunto por aqui. Muitas considerações reprobatórias ao racismo americano, às tensões raciais presentes na cultura norte americana e à necessidade de se superar tal fato.

Conselhos, teorias, advertências de uma possível ruptura, crise governamental, reprovação externa, críticas de ativistas, sanções internas ou boicotes, enfim, quase se chega à acreditar que realmente estas atrocidades e posturas inadmissíveis nos dias de hoje estão circunscritas ao território estadunidense.

O incômodo está na hipocrisia presente nestas afirmações, nos comentários de como os EUA devem aprender (com o Brasil, é claro), que os erros do passado recente devem servir de exemplo para um respeito maior às diferenças e à diversidade na busca de uma sociedade mais justa.

Só que por aqui não somos capazes de sair de uma espécie de cegueira ou letargia autoconsentida e auto imposta no que se refere às tensões raciais que vitimizam um número alarmante de jovens negros de forma letal e que deixa marcas profundas em quase a metade da população do país.

O rigor da justiça, majoritariamente composta por indivíduos de cor branca e da elite, pesa a mão quando se trata de pessoas negras envolvidas. A notícia de que Rafael Braga, preso nas manifestações de junho, portava álcool, água sanitária e desinfetante, com flanelas que poderiam ser transformadas em pavios para serem usados como explosivos.

Eu não conheço Rafael Braga, não conhecia Michael Brown, mas ao analisar, seus casos se somam e se encontram. Assim como os de Cláudia, Caio, Ruan e tantos e tantas outras negros e negras que vem arcando com um custo alto demais, suas próprias vidas.

O interessante é que em plena corrida eleitoral, nenhuma proposta que encare de frente o racismo perverso e muito mais letal que temos aqui, que se busque a efetivação das políticas que já existem pelo menos, a começar pelo fato de que a lei se cumpra e se denomine como crime o que é crime.

Racismo não é injúria, mal entendido ou outra forma mais branda de não se punir o que de fato é e se reconhecer que há racismo em formas requintadas e cruéis no Brasil e seu enfrentamento é mais do que urgente.

Uma mãe norte americana declarou e foi noticiado pelo Washington Post de hoje "quantos pais de filhos brancos têm pensado em adicionar a lista do não-fazer-antes-de sair da cidade a tarefa de escrever carta para a polícia anexando fotos e nomes de seus filhos para não se tornarem suspeitos e serem assediados pela polícia?"

Quantas pessoas brancas neste país pensam duas vezes antes de sair de casa para ir à padaria da esquina, para ver se estão com sua carteira de identidade ou na pior das hipótese a de trabalho?

Quantas mulheres brancas são instruídas a ficarem quietinhas no hospital ao dar à luz para não serem abandonadas no meio do trabalho de parto?

Está na hora de começarmos a nos inquietar com as notícias de nossas tragédias particulares.

"A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!"

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@MncaSFrancisco)

Cumprindo a agenda atrasada

O ano de 1995, tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, último líder da República de Palmares, quilombo criado em Alagoas, que durou cerca de cem anos e foi destruído em 1694, foi um marco na relação negro - Estado e na cultura do Estado em relação ao negro.

Ao som dos tambores, que no dia 20 de novembro protestavam contra o que tem sido definido como apartheid sem leis, e respondendo às críticas e propostas do movimento social negro, o presidente da República, em um ato no Palácio do Planalto, falou abertamente sobre o racismo, criou o Grupo de Trabalho para a Valorização da População Negra e elegeu a cultura, nominalmente a Fundação Cultural Palmares, como uma das áreas de investimento imediato para iniciar as transformações. Foi preciso o engajamento pessoal do chefe do Estado para romper a inércia e a tendência à desqualificação política do negro. Sabe o sociólogo Fernando Henrique Cardoso que por decreto não se muda o contexto social, mas que o círculo vicioso precisava ser rompido e que orçamentos, leis e programas refletem os conceitos culturais. Ainda não nomeava ali, porta-vozes confiáveis, intermediários como se costuma fazer - criava, isto sim, espaços de poder para elaboração de propostas e execução, que, embora ainda limitados, representavam um ponto de força na estrutura do governo.

A cultura sempre foi o espaço possível para o exercício da sensibilidade negra, embora essa participação não mudasse o lugar social de seus realizadores. Principalmente antes de a indústria controlar o setor, o talento era limitado pelas condições de vida. Além da matriz cultural brasileira, do imaginário e da visão de mundo serem expressões profundas da africanidade aqui recriada, a expressão através das artes é fundamental, mesmo que descontextualizada.

Programas, projetos, convênios, revisão de conceitos e de sua materialização em apoios e orçamentos estão sendo realizados de forma a se criar um ambiente que permita a realização das mudanças estruturais projetadas pelos abolicionistas, adequadas a este final de milênio.

As comunidades negras rurais organizadas em quilombos, importantes celeiros culturais por sua história, com prática coletiva de produção diversificada, relação harmônica com o meio ambiente, foram identificadas. Estão sendo demarcadas as suas terras e eles estão recebendo os seus títulos de posse. São territórios culturais, são territórios habitados pelas mesmas famílias por vezes há mais de trezentos anos, vulneráveis devido à ausência, até então, de sua inclusão nos projetos fundiários do governo. Suas populações estão sendo capacitadas para potencializar os recursos e programas pilotos específicos de educação e saúde estão sendo realizados.

Programas de apoio ao desenvolvimento de uma dramaturgia afro-brasileira e capacitação para a representação adequada desse grupo humano estão sendo realizados em todo o país. São re-qualificados técnicos em comunicação, roteiristas, atores, diretores, artistas gráficos, através de convênios de várias naturezas.

A invisibilidade, ou a exposição desqualificada dos negros e de sua cultura, eram motivo para a baixa auto-estima, tanto dessa população quanto dos brasileiros em geral, na sua grande maioria afro-descendentes. O mapa da produção cultural negra e de sua história urbana e rural está sendo organizado e já parcialmente disponibilizado através dos meios informatizados. A história hoje disponível apenas em acervos fechados ou de difícil acesso, também no exterior, às vezes fragmentada, está sendo organizada em um banco de dados que inclui toda a diversidade e inteligência negra brasileira. Peças religiosas estão sendo identificadas e devolvidas aos seus proprietários, quando não são doadas para o acervo. Sítios arqueológicos, como a serra da Barriga, e áreas de antigos quilombos estão sendo estudadas. A história da língua portuguesa no país, da perda das línguas de origem africana e da 'invenção' da língua que falamos em todo o território nacional, está sendo sistematizada. A vida de mulheres como Chica da Silva, Carolina de Jesus, Luiza Mahin; a competência e o desencanto político de abolicionistas como André Rebouças, Joaquim Nabuco e Luís Gama, que pensavam o desenvolvimento brasileiro; Machado de Assis; as irmandades; os terreiros e a ação dos seus líderes espirituais; a sensibilidade e o universo contraditório dos cientistas; os conceitos de produção diversificada, em oposição às plantations, desenvolvido por muitos quilombos; o trabalho sofisticado com metais - toda essa riqueza começa a estar disponível em várias linguagens para a nação que não conhece a trajetória ancestral de, no mínimo, quarenta e cinco por cento de sua população.

A projeção da cultura brasileira no exterior tem sido objeto de ações de difusão que se desdobram em promoção da imagem do país, valorizando o multiculturalismo e o intercâmbio cultural. A pluralidade nacional começa a ser adequadamente representada e a presença de artistas afro-brasileiros começa a ser mais diversificada no mercado. O marco físico e, ao mesmo tempo simbólico, da nova postura do governo é a criação do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra.

A compreensão de que a falta de informação mantém a população negras estagnada nos espaços sociais inferiores, por vezes indiferente a possibilidades transformadoras e, ainda, que os cidadãos de todas as origens precisam ter referências para que se orgulhem das nossas africanidades, levou o governo, através da Fundação Cultural Palmares, a desenvolver e a implantar tal projeto.

O Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, cuja placa da pedra fundamental foi assinada pelos presidentes Nelson Mandela e Fernando Henrique Cardoso, será inaugurado no marco do V Centenário do Descobrimento do Brasil, na capital federal, com o objetivo de ampliar a capacidade de participação dos afro-brasileiros no processo de desenvolvimento humano, científico e tecnológico do país. O diálogo cultural com a África e com os países multirraciais ganha novo conteúdo a partir

dessa iniciativa. O reconhecimento da importância da cultura negra no dia-a-dia nacional e de suas dinâmicas positivas como modelo civilizatório tem se expandido. Sua essência musical, a capacidade desse coletivo de transformar condições adversas em fatores de desenvolvimento humano e alegria, sua estética rica em diversidade, sua religiosidade inclusiva, passam a ser percebidas no conjunto da nação como elementos positivos da nossa diversidade.

O sistema de valores culturais do Estado, ao incluir a história do negro, tem se transformado e exigido novas reflexões, novo vocabulário, o desenvolvimento de novos conceitos de cidadania e, sobretudo, o início de mais respeito por essas novas vozes num cenário que nunca foi representativo dessa pluralidade.

Os projetos apoiados pelo Fundo Nacional de Cultura, pelas leis do mecenato, para obras de conservação e preservação do patrimônio, têm, devido ao engajamento pessoal do ministro Francisco Weffort, mais e mais incluído o patrimônio afro-brasileiro. As ações nos Estados e municípios estão sendo estimuladas a considerar a diversidade local. Dirigentes locais começam a perceber que o patrimônio criado pelos negros gera recursos e visibilidade para suas unidades administrativas e que, portanto, os produtores de tal riqueza devem ser considerados.

Mobilização pede fim do genocídio de jovens negros no Brasil

Uma protesto deve mobilizar pelo menos três cidades do Brasil para denunciar o genocídio de jovens negros no Brasil. A Marcha Nacional contra o Genocídio do Povo Negro foi convocada para esta quinta-feira (dia 22 de agosto). O objetivo é denunciar a naturalização da morte de milhares de pessoas anualmente que estão classificada no perfil “pobre, jovem e negro”. A mobilização é puxada pela Campanha “Reaja ou será morto, reaja ou será morta”.

Em São Paulo, a Marcha se concentrará em frente ao Theatro Municipal (na Praça Ramos de Azevedo, centro da cidade), a partir das 18h. Já em Salvador acontece no Largo dos Aflitos, 15h, no também no centro da cidade. O principal objetivo, segundo informações divulgadas pela revista Carta Capital, é cobrar “políticas públicas diante dos últimos dados sobre a violência contra a população negra, pobre e periférica brasileira.”

Ainda segundo a revista, de 2002 a 2010, o país registrou 418.414 vítimas de violência letal – 65,1% delas (272.422 pessoas) eram negras. Os dados constam no “Mapa da Violência 2012 – A Cor dos Homicídios”, primeiro levantamento nacional sobre esse tipo de morte com recorte étnico. No período avaliado, o número de homicídios contra brancos caiu de 20,6 para 15,5 vítimas para cada 100.000 habitantes – queda de 24,8%. Entre os negros, o índice aumentou 5,6%, de 34,1 para 36 mortos para cada 100.000 brasileiros. Além da alta no número de mortos, há uma tendência crescente da vitimização dos negros no Brasil. Em 2002, morriam proporcionalmente 65,4% mais negros que brancos, enquanto em 2010 essa taxa saltou para 132,3%. Entre os brasileiros com idade de 15 a 29 anos, a situação piora. Em 2002, o total de jovens negros mortos foi 71,7% maior que o de brancos. Em 2010, a discrepância subiu para 153,9%. Naquele ano, 19.840 jovens afrodescendentes foram mortos ante 6.503 brancos. Proporcionalmente, são mortos duas vezes e meia mais jovens negros que brancos.

Leia abaixo a íntegra de reivindicações da Marcha Nacional contra o Genocídio do Povo Negro divulgados pela Campanha Reaja:

MANIFESTO: MARCHA CONTRA

O GENOCÍDIO DO POVO NEGRO

No ano de 2005, diante da morte de centenas de jovens negros, organizações comprometidas com a luta contra o racismo e pela vida, marchando pelas ruas de Salvador, se reuniram em frente a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia e, na madrugada do dia 13 de maio, realizaram uma vigília em protesto contra a política de violência e eliminação de jovens negros instituída por meio da ação e/ou omissão do estado, mas que também afetava familiares e amigos desses jovens.

Desde então a Quilombo Xis- Ação Cultural Comunitária impulsionando a Campanha Reaja permanece nas ruas favelas e cadeias, denunciando e combatendo a brutalidade policial e a falência do sistema de justiça criminal perante um estado democrático de direitos, que escolheu como seu principal inimigo a população negra, quando atinge diretamente jovens negros, violentando-os, encarcerando-os e executando-os, estendendo a violência aos seus familiares e amigos.

Apesar destes oito anos de denúncias da Campanha Reaja para os organismos nacionais e internacionais de direitos humanos (ONU- Organização das Nações Unidas, OEA – Organização dos Estados Americanos), os números de mortes violentas por ação ou omissão estatal não tem se modificado. Conforme demonstram os dados do Mapa da Violência publicados no ano de 2013, entre 2004-2007 morreram 169.574 jovens e destes 116.274 eram negros. Enquanto houve uma queda em torno de 20% da taxa de morte dos jovens brancos, a taxa de morte de jovens negros aumentou em torno de 30% naquele mesmo período. As taxas de homicídio no país são mais altas que os países em guerra ou com algum tipo de conflito declarada. Em 2010, a taxa de homicídios de jovens negros no Brasil, foi de 27,4/100.000. Em 2011 4071 jovens negros morreram no Estado da Bahia. Há um diferencial de + 153.4% da vitimização negra em relação a vitimização branca. Estes índices apontam que os projetos de segurança pública aplicados em todo o território nacional como resposta aos números que representam o genocídio do povo negro dizem respeito a medidas arbitrárias e na contramão de todos os postulados e acordos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. A instalação de bases comunitárias de segurança revelam a invasão e ocupação de bairros negros pelas polícias militares (militarização),ofendendo direitos e garantias fundamentais que dizem repeito as liberdades constitucionais. O investimento do estado Brasileiro no complexo industrial carcerário justificado pelo aumento do número de pessoas encarceradas no país, aquece a indústria da violência e enriquece os verdadeiros empresários do crime. A exposição de pessoas suspeitas de cometerem crimes com anuência de autoridades policiais potencializam a criminalização da população negra e a banalização das vidas pelos meios de comunicação não sérios.

As políticas e práticas de segurança pública têm sido implementadas de forma que determinam quem está incluído como cidadão e digno de proteção do Estado. Seguindo esta lógica, os negros não estão. As mulheres negras têm uma localização central neste sistema, como vítimas de uma violência visceral. O papel que as mulheres têm desempenhado como mães, avós, tias, esposas, filhas, irmãs diante da morte e do aprisionamento de homens negros, colocaram as mulheres em um espaço de cuidado e de mantenedoras das suas famílias e suas comunidades e, portanto, e um espaço de vulnerabilidade frente a violência infligida aos homens negros. As mulheres negras são as primeiras a serem acionadas quando uma filha/filho, irmã/irmão, esposa/esposo ou amiga/amigo é atingida pela violência estatal. São as mulheres que estão nos IMLs procurando e reconhecendo corpos mutilados ou alvejados. São as mulheres negras que aguardam uma notícia que nunca receberão quando do desaparecimento de um ente querido. São as mulheres negras que se dedicam a recuperação das vítimas de violência do Estado, quando este deixa sequelas de projetis de arma de fogo, espancamento e violência psicológica. Essas formas de violência não atacam diretamente seus corpos, mas a violência a qual as pessoas com as quais tem vínculo são submetidas levam inevitavelemtne a destruição da memória, dos corpos e espíritos daqueles que lhes foram tiradas. Essas mulheres negras estão sendo expostas, adoecidas e violadas. O sofrimento feminino negro não é só perpetrado, mas é incentivado pelo Estado.

Assim, nosso manifesto é em primeiro lugar pelo nosso direito de permanecermos vivas e vivos. Sem estarmos vivas não podemos lutar pelos demais direitos. Estamos marchando para que cessem a brutalidade e as violências contra mulheres e homens negros, que tem sido mortos em razão de uma política de estado genocida, que escolhe suas vítimas em razão da marca da ancestralidade que carregamos, qual seja: sermos negros e negras.

Diante disto, honrando nossa história em diáspora e a luta das nossas ancestrais que construíram ao longo de séculos poderosas instituições políticas, culturais, sociais e militares (Zeferina, N’zinga, Dandara, Maria Felipa) para a afirmação de nossa humanidade e contra o modelo de estado que nos sequestra, violenta e vitimiza, exigimos a discussão dos pontos que seguem abaixo: 1.Participação efetiva das organizações negras de movimento social com força de deliberação na construção de políticas de segurança pública e criminal e penitenciária centrada nos direitos humanos;

2. Retirada de circulação do baralho do crime, instrumento que viola princípios básicos de dignidade humana e expõe o caráter racista da política de segurança pública do Estado da Bahia;

3.Constituição de um grupo de trabalho com efetiva participação social na instituição de Programas de Proteção às Vítimas e Testemunhas, bem como, Programa de Defensores de Direitos Humanos, com autonomia e pautado nos direitos da pessoa humana;

4. Atendimento integral à saúde das pessoas vítimas de violência do estado e seus familiares, com sede na Secretaria de Saúde do Estado da Bahia; 5.Discussão de uma política sobre drogas. A respeito do debate sobre as políticas de drogas, entendemos que a chamada “guerra às drogas”, além de representar retrocesso na luta antimanicomial, se constitui como dispositivo de controle social, criminalização e extermínio de pobres e negros. As ações de recolhimento e internação compulsória de crianças e adolescentes, assim como da população adulta em situação de rua, fazem parte do processo de higienização e elitização das cidades, sobretudo nos períodos que antecedem grandes eventos esportivos;

6. Discussão da descriminalização do uso de drogas. Uma vez que “guerra às drogas” tem sido utilizada como justificativa para políticas de controle e extermínio, apontamos a necessidade de descriminalização e legalização das drogas, acompanhadas do fortalecimento de políticas de saúde pública e de conscientização sobre seu uso. Afirmamos estes como passos fundamentais para a superação do quadro de violações trazido pelo proibicionismo;

7. Sobre a “defesa social”. É necessário conter o avanço punitivo do Estado que fortalece o controle das populações através da ampliação das categorias consideradas inimigas e que legitima práticas de repressão violenta a partir do discurso de garantia da ordem e da defesa da sociedade. Esse poder punitivo violador, cuja mais grave representação localizamos na atuação policial, opera-se também em perversas práticas do Poder Judiciário e do Ministério Público. Um dos efeitos mais drásticos do controle penal verifica-se no encarceramento em massa, tendo o Brasil hoje a quarta maior população carcerária do mundo;

8. Pelo fim da revista vexatória que além de estender a pena aso familiares e amigos de presas e presos, humilha e expões mulheres negras em sua maioria, quando da entrada em unidades prisionais, cuja prática é justificada pela entrada de armas de alto calibre e grandes quantidades de drogas em genitálias de mulheres, homens e crianças;

9. Pela não privatização de prisões e unidades e serviços de saúde, bem como recursos humanos capacitados e qualificados;

10. Desmilitarização da polícia. Com relação às políticas de segurança pública o debate sobre a desmilitarização é prioritário e urgente. A lógica militar impõe a perspectiva da guerra e do confronto bélico na qual há um território a ser ocupado e um inimigo a ser combatido. Os territórios em questão são favelas e periferias e o inimigo, as classes populares. A gestão militar da segurança pública afirma-se nas históricas operações e invasões policiais justificadas pela “guerra às drogas” com Rangers e Pick-ups compradas com o dinheiro do Programa Nacional de Segurança Cidadã, o PRONASCI e outros aparatos de guerra – como na diversas chacinas e execuções, que deixam para trás centenas de mortos. Além disto, permite a expansão de grupos de extermínio nas regiões periféricas da cidade, configurando um controle “paramilitar” dessas áreas, o que gera formas específicas de privação de direitos, assim como a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora(UPPs), batizadas na Bahia como Bases de Segurança Pública que só levam o controle bélico, não havendo a implementação de serviços como saúde, educação, coleta de lixo, cultura e lazer, como prometido pelas autoridades.).

*Documento enviado por José Raimundo (Thembi Sekou Okwui)

Mais informações – https://www.facebook.com/ReajaOuSeraMortoReajaOuSeraMorta

Livro: Homicídios e Juventude no Brasil - Baixe em PDF

A publicação do Mapa da Violência: Homicídios e Juventude no Brasil é um trabalho desenvolvido pelo Professor Julio Jacobo Waiselfisz.

Campanha de Comunicação e Enfrentamento ao

Genocídio da Juventude Negra.

Acesse e envie sua mensagem:

http://racismomata.org/

Personalidades Negras

http://www.palmares.gov.br/?p=8470

Neste espaço, você encontrará informações sobre algumas das personalidades negras que marcaram a história do Brasil e do mundo. É, portanto, um espaço inacabado e que estará em contínua construção, porque a luta em favor da cultura negra e contra o racismo produziu e irá produzir, por tempo indeterminado, um grande número de lideranças que precisarão ser resgatadas. Veja, abaixo, a listagem de algumas delas e contribua para o enriquecimento desta seção, enviando sugestões ao Fale conosco.A

Abdias do Nascimento

Albert Luthuli

Antonieta de Barros

B

Benedita da Silva

C

A nova política cultural brasileira cria imensas possibilidades e muitas demandas para o Estado e para a sociedade. O mercado foi motivado, surgiram e foram ampliadas várias publicações destinadas ao público negro. Uma nova estética, mais inclusiva, começa a ser visível na moda. A comunicação, inicialmente a oficial e agora, lentamente, a comercial, começa a tratar o negro como pessoa e a incluir imagens de seres humanos dos vários grupos étnicos.

0 mercado cultural, entretanto, continua excludente e o financiamento a produções negras muito tímidas. Há ainda uma imensa distância entre o discurso cultural e a prática da inclusão. Os produtos do teatro, da música, da dança, da literatura, do cinema, da televisão e da pintura, apresentados no cotidiano, estão longe de refletir a dinâmica social. Os produtores, com referência nos conceitos criados pelo mito da democracia racial, tratam o negro como segmento, de forma descontextualizada e eventual.

Por sua vez, os movimentos negros, que motivaram com seu ativismo histórico as mudanças atuais, têm sido parceiros críticos do Estado e começam a atuar junto a outros setores para aprofundar as transformações e para garantir que a agenda do governo seja agilizada. A descrença nas instituições e a indiferença em relação à representação política começam a serem transformadas no conjunto da população.

Nota-se uma profunda transformação em curso na identidade nacional. A compreensão das africanidades, aqui recriadas como parte do ethos brasileiro, muda as referências e rompe as limitações impostas por um falso eurocentrismo e põe por terra os conceitos de raça e de fragmentação da diversidade. A inclusão valorizada do negro desmobiliza a necessidade de se provar que o diferente é melhor ou pior, além de permitir trocas mais profundas e prazerosas entre os humanos de várias origens. Entretanto, como os valores do Estado só se transformam através de leis, programas e políticas, estão sendo organizados dados sobre o resultado dos investimentos planejados para o período de 1994 a 1999, a fim de que o próximo plano plurianual inclua metas específicas para a criação de um novo cenário, até o início da próxima década.

A obra civilizatória brasileira - a possibilidade do privilégio do encontro superar as marcas da perversidade e as agruras do caminho percorrido -, começa a ser esculpida ao som dos tambores, com a sabedoria das negras velhas e a elegância da capoeira.

Não vos alerto por represália

Nem cobro meus direitos por vingança.

Só quero

Banir de nossos peitos

Esta goma hereditária e triste

Que muito me magoa

E tanto te envergonha.

Autoria: Rodrigo Almeida

Dia da Consciência Negra

As conquistas do povo negro e a valorização de sua identidade

Como toda data específica para comemoração e análise de uma temática social, o Dia da Consciência Negra tem a sua relevância para revelar ao sistema toda a luta do povo negro para garantir seu espaço na sociedade. O dia faz menção à morte de Zumbi dos Palmares, que morreu em luta pela liberdade do povo negro. O espaço para este povo já foi negado há muito tempo, sendo que a abolição da escravatura não foi suficiente para esta conquista libertária. Todos os avanços relacionados com a posição do povo negro, dentro ou não de forças políticas, foram resultados de seu próprio trabalho e mobilizações.

Porém, muitas dessas conquistas incomodam o senso comum, sendo que muitas pessoas desvalorizam as lutas dos(as) negros(as), argumentando que estes(as) já conseguiram o suficiente, e que portanto não há do que reclamar. Ou então, consideram os(as) negros(as) como pessoas ingênuas e facilmente manipuladas por organizações políticas. O racismo ainda está presente e contextualiza os espaços das universidades, da mídia, dos livros literários… Mas, pelo que parece, há situações em que os(as) negros(as) não têm o apoio em suas lutas nem mesmo de movimentos sociais. Pelo contrário, nota-se, já há algum tempo, a presença de “militantes” que estão do lado do(a) agente opressor(a), algo bastante contraditório. E isto faz com que o Movimento Social Negro tenha que agir com mais empenho, para enfrentar este inimigo mascarado.

Todo este incômodo provocado pela ascensão do povo negro faz parecer que suas atitudes estão sendo vigiadas, com o objetivo de encontrar um vacilo, pequeno que seja, para argumentar que sua conquista foi pautada em ações que ofuscam a luta dos(as) próprios(as) negros(as). Um exemplo recente é o caso do ministro Joaquim Barbosa, que, devido ao fato de se destacar no caso mensalão, está sendo alvo de críticas de alguns militantes. Estes as justificam afirmando que Barbosa pretende, devido à sua ênfase no famoso caso, se candidatar por algum partido oportunista, fato que ele mesmo negou.

Neste escrito, serão pontuadas quatro áreas nas quais os(as) negros(as) estão conquistando e fazendo valer sua identidade, mas que devem ser analisadas, para que o caminho não seja vencido pelo conformismo.

Mercado de trabalho

O ambiente de trabalho um lugar comum onde se concentram atitudes que remetem ao racismo. Devido às hierarquias dentro destes espaços, é comum pessoas negras ocupando funções de subordinados, mesmo tendo capacidade e escolaridade para assumir um cargo de liderança. É nisto que se insere a desigualdade por oportunidade. A inserção no mercado de trabalho para os(as) negros(as) enfrenta a dificuldade dentro de processos seletivos onde um dos requisitos para a aprovação do futuro funcionário de uma organização é a cor da pele. Dentro desta problemática, existe o caso das mulheres negras, que são vítimas da dupla opressão, como exposto em Lideranças Negras: diferenças entre gêneros. O espaço para elas é concorrido não somente por brancos(as), mas também pelos homens negros.

Considerada como inferior, a população negra carrega a discriminação, pois a questão racial determina a participação no mercado de trabalho, e a diferenciação entre os(as) colaboradores(as) de uma empresa.

A ascensão do povo negro nesta área está acontecendo, mesmo que de forma lenta. Encontram-se representantes da origem negra destacando-se dentro de organizações, mas para chegar nesta conquista muita determinação e trabalho foram necessários. O preparo para a entrada e permanência no mercado de trabalho é, para a população negra, uma grande batalha.

Os(as) negros(as) na mídia

Na mídia, as pessoas negras também vêm conquistando seu espaço. Telejornais vêm enriquecendo seu quadro de funcionários(as) com a contratação de jornalistas negros(as). Nas telenovelas, comerciais e séries, negras e negros estão começando a se fazerem representar por personagens que os(as) valorizem. Ainda que vagarosamente, não cabe mais apenas aos(as) negros(as) os papéis de coadjuvantes minúsculos dentro de toda uma obra. Também suas personagens assumem outras profissões além daquelas consideradas operacionais. Neste parâmetro, pode-se afirmar que há uma influência norte-americana, onde os(as) negros(as) seguiram na frente na valorização de sua identidade.

A cultura do povo negro, sua religião e danças também estão sendo focadas na mídia com o objetivo de acabar com o preconceito existente.

Porém, a mídia ainda peca na apresentação de algumas personagens na televisão. Atores e atrizes negras, não raramente, são ofendidos(as), por suas características físicas ou por representarem uma personagem que tenha um comportamento considerado “inadequado”. Algumas personagens do humor ridicularizam os(as) negros(as), focando em estereótipos de uma caricatura bizarra, enfatizando que pessoas negras ganham destaque apenas para divertir as demais.

As mulheres negras conseguiram se fazer representar na TV, mas para tal façanha, a mídia teve que se apropriar da imagem de negras belas, altas e magras, ou de sua objetificação. Ou então, se faz um perfil ofensivo das características físicas das mulheres negras, enfatizando que não se encontram dentro dos padrões de beleza aceitáveis pelo senso comum.

Séries na TV com atores/personagens negros

BLACK TV

Canal de televisão aberta com o maior número de séries no ar, o SBT ostenta o título ao apresentar seis delas protagonizadas por atores negros

Histórias com começo, meio e fim. Este é o segredo do sitcom, formato de programa de tevê consagrado nos Estados Unidos desde os tempos em que Lucille Ball protagonizou I Love Lucy, seriado exibido entre 1951 e 1957 e considerado o pioneiro no gênero. A palavra sitcom, que vem do inglês SITuation COMedy, significa comédia de situação. Atrações como Felicity, Friends e Sexy and the City, por exemplo, são verdadeiros fenômenos de audiência. Muitas vezes chamados de “enlatados” (pois funcionam com risadas gravadas, ou canned laughter, o riso dentro da lata), seriados como Dawson’s Creek, Beverly Hills 90210 (mais conhecido por aqui com o nome de Barrados no Baile) e E.R. (Plantão Médico), freqüentaram no passado a programação da Rede Globo.

Na verdade, eles agiam como tapaburacos, eram exibidos em horários ingratos como meio-dia de domingo e tirados do ar sempre que aparecia uma outra opção de maior audiência para substituí-los. Atentos ao fenômeno dos sitcoms e de olho no interesse do público, principalmente para quem não assina um canal a cabo e está distante deste universo – pesquisas indicam que cerca de 40 milhões de domicílios com televisão, apenas 3,5 milhões possuem tevê a cabo (Net/TVA) ou via satélite (Sky/DirecTV) –, a boa notícia é que existem excelentes opções de seriados nas emissoras abertas. O clássico Desperate Housewives pode ser visto na RedeTV e a ficção científica Taken, de Steven Spielberg, é exibida na Band. Na Record, era divertida a série policial Monk enquanto aguarda a nova temporada de Lost, da Globo. Mas é o SBT a emissora de TV aberta com o maior número de séries no ar. Hoje, são mais de 20, sendo que seis delas retratam o cotidiano de famílias negras, fato que há um bom tempo não acontece nem nos canais americanos. Confira, a seguir, sitcoms que possuem ingredientes de sobra para uma boa sessão-pipoca:

AS VISÕES DA RAVEN

Uma das mais recentes estréias, essa série surge com frescor suficiente para garantir boas gargalhadas aos telespectadores. E, automaticamente, coloca em alta escala a audiência da emissora de Silvio Santos. Exibida aos sábados, a série é protagonizada pela cantora e atriz Raven-Symoné, que interpreta uma adolescente com a estranha capacidade de prever o futuro. O dom da garota causa mais problemas do que soluções. Isso porque suas falsas interpretações sobre os fatos causam inúmeros transtornos a sua família e amigos.

EU, A PATROA E AS CRIANÇAS

Nesse seriado, o ator Damon Wayans vive o bem-humorado Michael Kyle, um ex-funcionário dos correios que é dono de uma empresa de transportes. O personagem é casado com a extrovertida Janet, com quem tem três filhos: Junior, Claire e a pequena Kady. Contrariando a vontade do marido, Janet trabalha fora e por esta razão “sobra” mais para ele administrar a casa. Além de todas as confusões das crianças, Michael ainda se enrola com a divertida Rosa, a empregada latina.

UM MALUCO NO PEDAÇO

O astro Will Smith é o principal nome das maluquices que acontecem nessa série. Will é um jovem que adora rap. Sua mãe acha que ele precisa ter uma educação mais séria e por isso o envia para a casa dos tios Banks, em Beverly Hills. Ele, claro, se dá muito bem com a atrapalhada e riquíssima família e passa a fazer parte dos problemas e das confusões de cada um, inclusive com o formal mordomo da casa.

CIDADE DOS HOMENS

Cidade dos homens é o título de uma série de teledramaturgia exibida pela Rede Globo durante quatro temporadas, entre 15 de outubro de 2002 e 16 de dezembro de 2005. A série ambientava-se nas favelas do Rio de Janeiro. Na trama, os dois protagonistas, Acerola (Douglas Silva) e Laranjinha (Darlan Cunha), vivenciam dilemas próprios da adolescência, tanto os universais quanto aqueles relativos aos problemas específicos nas comunidades carentes do Rio de Janeiro. São temas recorrentes o contraste entre ricos e pobres, a problemática do poder paralelo estabelecido pelo tráfico de drogas, a violência urbana, dificuldades financeiras e a cultura das favelas.

Ó PAÍ Ó

Ó Paí, Ó é uma série brasileira, com roteiro de Guel Arraes e Jorge Furtado e direção-geral com Monique Gardenberg, Mauro Lima, Carolina Jabor e Olívia Guimarães. Adaptação do filme Ó Paí, Ó de Monique Gardenberg sendo exibida em 10 episódios. Sua estreia aconteceu no dia 31 de outubro de 2008.

O filme conta a história dos moradores de um animado cortiço do centro histórico do Pelourinho, em Salvador. Tudo se passa no último dia do Carnaval, em meio a muita música, dança e alegria. Até que Dona Joana, uma evangélica, incomodada com a farra dos condôminos, decide acabar com a festa, fechando o registro de água do prédio.

Embora contenha um tom de comédia, este filme revela um lado desconhecido da cidade de Salvador, do seu carnaval e o contraste social. Toca em assuntos como violência, drogas, mídia, preconceito e racismo.

TODO MUNDO ODEIA CHRISEverybody Hates Chris (Todo Mundo Odeia o Chris (título no Brasil) ou Todos Contra o Chris (título em Portugal)) foi um seriado de humor estadunidense inspirado nas experiências pessoais de Chris Rock no bairro de Bed-Stuy, em Nova Iorque, interpretado por Tyler James Williams. Everybody Hates Chris teve quatro temporadas, exibidas originalmente nos Estados Unidos entre 22 de setembro de 2005 e 8 de maio de 2009, pelos canais de televisão The CW Television Network e United Paramount Network, estrelando, além de Tyler Williams, Terry Crews, Tichina Arnold, Tequan Richmond, Imani Hakim e Vincent Martella. Sua primeira dublagem lusófona aconteceu com a exibição do programa pela Rede Record. O último episódio foi ao ar em maio de 2009. Foi o episódio "Todo Mundo Odeia o Supletivo", o de número 22 da quarta temporada.

Minisérie de TV: OS JACKSONS - UM SONHO AMERICANO

História da vida de Michael Jackson descrita no livro Monwalker escrito pelo próprio Michael, o diretor do filme fez algumas mudanças na história, o que Michael ficou meio chateado, mas segue para quem nunca viu. Muitos assistiram ainda na adolescência... Coisa de fã! (SÉRIE COMPLETA AO LADO ->)Título no Brasil: Os Jacksons - Um Sonho AmericanoTítulo Original: The Jacksons: An American DreamPaís de Origem: EUAGênero: Drama / MusicalTempo de Duração: 240 minutosAno de Lançamento: 1992Estúdio/Distrib.:Direção: Karen Arthur

E no Cinema?

Veja uma lista de filmes com temáticas da cultura negra pelo mundo(clique nos links para ver sinopses, trailers e outras informações):Orfeu - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-21029/

12 anos de Escravidão - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-196885/

Mandela - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-204700/

A cor Púrpura - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-2099/

Histórias Cruzadas - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-176673/

Panteras Negras - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-18271/

A outra história americana - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-12475/

Com grande influência da Black Music norte-americana, a música negra no Brasil vem ganhando destaque, sendo que a própria música da periferia está sendo mais valorizada. O blues e o jazz são clássicos da música negra que já estão reconhecidos pelos intelectuais. Mas a voz do povo, representado pelo samba, funk, hip hop e rap é um grito da periferia, da nossa cultura. Há muito preconceito pelo funk carioca pelo desconhecimento das origens estilo musical. Longe dos ataques machistas que se pode observar nas músicas atuais, o funk surgiu como uma forma de manifestar a opressão sofrida pelos(as) negros(as) e que, apesar desta situação, continuam na luta e se valorizam. O resgate desta proposta do funk deve voltar com toda força, juntamente com a alegria de quem realiza sua dança. Hoje, esta crítica social está presente no hip hop e no rap, inclusive com compositoras e interpretes do gênero feminino. Há iniciativas como o Hip Hop Mulher e o Mulheres no Hip Hop. As meninas se utilizam da música para também soltar seu grito da necessidade de ter os mesmos direitos dos meninos. O Brasil tem uma forte influência da postura de outros países na composição de músicas que remetem às origens da música negra e às críticas à temática social.

Representações artísticas que remetem ao cotidiano africano também começam a serem vistos de forma mais aceitáveis. Os(as) africanos(as) trouxeram para o Brasil maravilhas de sua cultura, que durante muito tempo foram marginalizadas. A Congada, que trata das lutas de reinados africanos, é um exemplo de resgate da cultura afro e da lembrança de que antes de escravos, eram reis em seus países.

O acesso à Universidade

Não se pode negar que o aumento do número de negros(as) na universidade é uma conquista. E um dos principais protagonistas para este resultado é sistema de cotas raciais. Com toda a polêmica sobre o assunto, não cabe aqui afirmar o que é certo ou errado, mas sim analisar alguns parâmetros não focados nem mesmo pelo universo negro. Torna-se necessário saber quais negros as cotas raciais irão atingir, sua família, sua situação social, seu contexto de vida. Quanto a isto, há uma pergunta a fazer: Será que o(a) jovem negro(a) que vive no contexto das favelas é atingido por esta conquista? Este(a) jovem, por falta de oportunidades por ser vítima da situação da desigualdade social e racial, vivem às voltas em um mundo onde pouco espaço se dá ao ingresso na Universidade. Ou seja, não raramente, a universidade para ele(a) está muito aquém da realidade. O fato de aparecerem jovens que não têm o mínimo de estudos para fazer o vestibular é mais um item que denuncia os limites das cotas raciais. O que falta é o apoio aos estudos destes(as) jovens ainda no ensino básico, pois desta forma, para uma determinada parcela da população negra, as cotas raciais ainda não quitam a tão falada dívida com os(as) negros(as).

Pode-se considerar outra justificativa para as cotas raciais: desde crianças, os(as) negros(as) são discriminados nas salas de aula, o que pode prejudicar seus estudos. Mas outra problemática é que, entrando na universidade, a opressão continua e não é difícil ver casos de brancos(as) favoráveis às cotas não ficarem do lado dos(as) negros, mas sim das pessoas que os discriminam e os oprimem, justificando esta incoerência com alguma visão política banal.

Na verdade, o sistema de cotas raciais pode ser considerado um avanço para a inserção de negros(as) nas universidades, mas é limitante. E assim como toda política favorável às cotas, mascara um preconceito vigente e retarda uma política mais eficiente, como melhorias significativas no plano educacional.

As cotas podem ser um avanço para mim, menina negra que, apesar de morar em bairro de periferia, tive a oportunidade de estudar e todo o apoio de minha família. Minha vida nunca foi sem expectativas. Mas, para vários conhecidos negros(as), que foram assassinados ou presos, a realidade é outra. Muitos(as) acreditam que nem mesmo assim terão chances, porque consideram que sua vida não faz parte deste mundo de “playboy”.

A conquista da identidade

As conquistas do povo negro e a valorização de sua identidade caminham juntas, mas são os(as) próprios(as) negros(as) que podem se deixar enganar. Até mesmo militantes do Movimento Negro deixam se entorpecer por meias conquistas, se convencendo que é pouco, mas que “é melhor do que nada”. Ainda há muito que lutar e não deixar que organizações oportunistas se apropriem das causas negras. O conformismo é um grande vilão na militância pelo reconhecimento dos direitos do povo. “Hoje o olhar de mamãe marejou só marejou

Quando se lembrou do velho, o meu bisavô

Disse que ele foi escravo mas não se entregou à escravidão

Sempre vivia fugindo e arrumando confusão

Disse pra mim que essa história do meu bisavô, negro fujão

Devia servir de exemplo a “esses nego pai João”

Disse afinal que o que é de verdade

Ninguém mais hoje liga

Isso é coisa da antiga”.

Trecho da música Coisa Da Antiga, de Neil Lopes e Wilson Moreira.

O que interessa para a militância é sempre ter a pretensão de conquistas maiores. É ser mais “negro fujão” e menos “nego pai João”.

A violência contra o negro

No que diz respeito à violência policial no Brasil, segundo pesquisa do Datafolha, os negros são abordados com mais freqüência durante as blitz, recebem mais insultos e mais agressões físicas que os brancos. A desvantagem, revelada pela pesquisa Datafolha, não pára por aí: percentualmente, também há mais revistados negros que qualquer outro grupo étnico. Entre os da raça negra, quase metade (48%) já foi revistada alguma vez. Desses, 21% já foram ofendidos verbalmente e 14%, agredidos fisicamente por policiais. Os pardos superam os negros em ofensas: 27% deles foram ofendidos verbalmente e 12% agredidos fisicamente. Ao todo, 46% já foram revistados alguma vez. A população branca é menos visada pela polícia. Entre estes, 34% já passaram por uma revista, 17% ouviram ofensas e 6% já foram agredidos, menos da metade da incidência entre negros. Em cada três negros, um (35%, exatamente) teme mais a polícia que os bandidos e outro teme os dois na mesma proporção, aponta o levantamento. Para os entrevistados de cor branca, somente 19% (um em cada cinco) temem mais a polícia. Quase a metade, 47%, tem mais medo dos bandidos do que da polícia.

Quanto à criminalidade, constatou-se que dos homicídios dolosos contra menores, 54% das vítimas eram menores negros e 33,9% eram brancas, inserindo-se as restantes a outras categorias. Da população dos presídios, 68% das pessoas presas têm menos de 25 anos de idade, sendo que 2/3 são negros e mulatos; Não se pode ignorar o racismo, o preconceito, a discriminação, aceitando os estereótipos que marginalizam, oprimem, humilham e matam o povo negro. A Constituição de 1988 soube repudiar a marginalização do negro, tipificando o racismo como crime em seu artigo 5° , inciso XLII. Mesmo assim, ainda imperam no país diferentes formas de discriminação racial, velada ou ostensiva, que afetam mais da metade da população brasileira, constituída de negros ou descendentes de negros privados do pleno exercício da cidadania. Os casos de discriminação racial que vêm acontecendo durante anos neste país merecem uma apreciação mais cuidadosa por parte das autoridades, correndo o risco de se transformar (se é que já não se transformou) num ato de

omissão diante do dever do direito em realizar a justiça, ao menos a justiça dos homens. O preconceito racial se constitui um grave obstáculo ao exercício do direito à igualdade. Os negros têm de lutar contra tudo aquilo que está sedimentado e que, quase inconscientemente, é posto em circulação na nossa sociedade. Para lutar contra o preconceito é preciso realizar atos que demonstrem a necessidade de que os segmentos vítimas de discriminação tenham seus direitos reconhecidos. Infelizmente, ainda estamos longe de constituir uma verdadeira democracia racial e, apesar de sermos uma nação etnicamente plural, as "minorias", sobretudo os negros, não têm o mesmo reconhecimento dos brancos colonizadores. O espaço negro é limitado e o indivíduo é discriminado, não sendo reconhecido em suas atividades. Discriminado e marginalizado, o negro é visto perante a sociedade como um indivíduo sem qualificação, limitado, estando restrito ao mercado de trabalho formal. Sempre é colocado em posições inferiores, sendo o que mais sofre com a péssima situação sócio-econômica do país, estigmatizado por ser "escuro" ou pardo. E, ironicamente, o negro é a grande força de trabalho do Brasil, porém o que mais sofre com as crises e com a discriminação. No passado, ele ajudou a construir este país para os brancos; no presente, quando tenta desfrutar o produto de seu trabalho, encontra as portas fechadas pela terra à qual se dedicou.

A situação da mulher negra

Mulheres de todas as etnias merecem nossa consideração no presente trabalho. Entretanto, vamos nos deter à condição atual da mulher negra, visto que, nestes 500 anos de Brasil, sua situação sempre beirou ao nível do descaso extremado. Não queremos dizer que mulheres de outras etnias não sofrem discriminação. Pelo contrário, todas são discriminadas, configurando a mulher, como um todo, um grupo excluído de nossa sociedade machista e patriarcal. Entretanto, a mulher negra receberá o enfoque principal porque sua situação é o reflexo do que acontece com todas as mulheres, acrescida do preconceito de cor, um peso extra que estas cidadãs brasileiras têm de suportar. Sabemos que os escravos trazidos da África eram aproveitados nas mais diversas atividades econômicas. Negros e negras desempenhavam todas as funções nos engenhos, cuidavam da agricultura, da pecuária, trabalhavam em minas de ouro e pedras preciosas, além de participar, ativamente, no zelo das tarefas domésticas de seus proprietários.

Neste contexto, a negra escrava sempre foi vista como um bem econômico superior ao negro. Somente elas podiam gerar filhos, e isso facilitava muito o negócio dos escravos porque a importação de negros era um mercado relativamente caro. Desde o princípio do Brasil, a negra foi vista como um objeto de serventia e, numa linguagem um tanto chocante, um animal reprodutor. Entretanto, apesar do interesse no novo "escravo" prestes a nascer, os senhores proprietários de escravas não lhes permitiam qualquer descanso ou folga em seus afazeres durante o período de gravidez. Além disso, havia o antagonismo da relação senhor e escrava. Muitos senhores se esqueciam, momentaneamente, do abismo social que os separava de suas escravas e mantinham relações sexuais com elas, muitas vezes gerando filhos que nunca eram reconhecidos. Muitas destas escravas praticavam o aborto, por vergonha ou ódio do filho que estavam gerando e com medo de represálias por parte de suas patroas. Sua dignidade seja como mulher, seja como mãe, nunca fui reconhecida.

A situação das mulheres negras, hoje, não é muito diferente se falarmos em termos de dignidade. Findo o período escravocrata, permaneceu o preconceito. Sabe-se que mulheres brancas possuem melhores oportunidades do que mulheres negras, seja no trabalho, na vida social, na escola etc. Mulheres negras são quase sempre vistas com má índole, como ladras ou prostitutas. Serviços domésticos, por exemplo, são em sua maioria realizados por mulheres negras, um reflexo de nossa herança escravocrata.

Um relatório da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada em 1990, divulgou que a taxa de analfabetismo entre as mulheres negras, naquele período, chegava ao dobro da taxa verificada para as mulheres brancas. Do total de mulheres negras maiores de cinco anos, 33,1 % estavam na condição de analfabetas. No caso das mulheres brancas esse percentual era de 18,5%. A mesma pesquisa informou que as mulheres negras ocupadas em atividades manuais perfaziam um total de 79,4%, sendo 51% envolvidas com trabalho doméstico em geral, e 28,4% como cozinheiras, serventes e lavadeiras. Em atividades como secretariado, recepção e vendas, encontravam-se 7,4% das mulheres negras. Já em funções técnicas, administrativas, científicas, artísticas entre 5,3 e 10%. Uma realidade triste se nos lembrarmos que a população negra corresponde a 48% de toda a população brasileira. As mulheres negras são visivelmente excluídas de melhores oportunidades de trabalho e estão fora da equidade social deste país.

Consciência Negra na EDUCAÇÃO

O negro e a educação

Quanto à educação, um relatório sobre Direitos Humanos realizado pela Organização dos Estados Americanos revelou que, em 1992 o analfabetismo entre os negros chegava à casa dos 30% e se elevava a 36,4% no Nordeste do Brasil. O relatório concluiu que problema do analfabetismo guarda relação com a falta de acesso da população negra à educação formal e o problema da abstenção escolar das crianças de raça negra é muito freqüente, já que estas são obrigadas a deixar a escola para ajudar no sustento familiar. Neste contexto, a "cor", além da "escolaridade dos pais e a renda familiar" são fatores determinantes do acesso das crianças à escola. Em relação aos avanços nos níveis de escolaridade, 4% dos negros conseguem ingressar na universidade, em comparação com 13% entre os brancos. Um exemplo da margem diferencial de acesso é dado pelas cifras referentes à Universidade de São Paulo, de cujos 50 000 estudantes em 1994, apenas 2% eram negros. A situação repete-se em diferentes universidades do país, mesmo em cidades como Salvador, com maioria populacional afro-brasileira. E quem não tem condições de adquirir uma boa formação escolar vê reduzidas as possibilidades de encontrar trabalho digno no mercado.Hoje, a lei brasileira obriga as escolas a ensinarem temas relativos à história dos povos africanos em seu currículo. Além disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) estabelecem que a diversidade cultural do país deve ser trabalhada no âmbito escolar. "A sociedade em que vivemos valoriza outro estereótipo, o que resulta na invisibilização do negro. Isso tem um efeito bastante perverso: as crianças negras nunca se vêm e o que elas olham é sempre diferente delas", explica Roseli, que coordenou o grupo responsável pelo documento sobre Pluralidade Cultural nos PCNs. "A pluralidade cultural é um tema que pode ser abordado de forma transversal, em várias disciplinas", conclui. Estratégias simples, como a introdução de bonecas negras, podem ter um efeito positivo para reforçar a identificação cultural dos alunos negros. "Revelar a África pela própria visão africana também surte efeito. O continente produz cultura, histórias e mitologia, o que a perspectiva eurocêntrica não nos deixa ver", diz Oswaldo de Oliveira Santos Junior, pesquisador do Núcleo de Educação em Direitos Humanos da Universidade Metodista de São Paulo.

Veja a seguir como pais e professores podem fazer sua parte na valorização da Consciência Negra:

O projeto "Um Pouco de Nós, Um Pouco da África", desenvolvido há cinco anos na Escola Estadual Bibliotecária Maria Luisa Monteiro da Cunha, de São Paulo, por exemplo, estimula os alunos do ensino fundamental I a refletirem sobre suas origens, abordando questões que vão muito além da escravidão. A iniciativa valoriza a oralidade e a arte africana a partir do resgate da cultura do continente e da discussão de sua contribuição para a formação da identidade cultural brasileira. Durante o trabalho, os professores familiarizaram os alunos com a literatura africana e incentivaram a leitura e a escrita. "As crianças confeccionaram bonecas negras, o que foi um tiro certeiro. A partir delas, eles criaram histórias e, ao levar as bonecas para casa, envolveram as famílias no trabalho", conta Lurdes Ribeiro, coordenadora da escola, que tem aproximadamente 50% de alunos negros e pardos. Após cinco anos, o resultado é, segundo Lurdes, uma valorização dos negros enquanto cultura e etnia. "Alunos que não se assumiam negros passaram a se assumir. E quem não é negro passou a valorizar essa cultura da qual fomos privados por tanto tempo". O projeto finalista do 4º Prêmio Educar para a Igualdade Racial, organizado pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert).Além de inserir a questão da igualdade racial no currículo e nos temas debatidos em sala de aula, transformar o espaço da escola é uma boa maneira de construir uma identidade que inclua os negros. No Colégio Vértice, em São Paulo, o Projeto África mudou a cara da escola no sábado, 7 de novembro. Depois de um ano inteiro trabalhando com o tema África, os alunos organizaram um Safári Cultural, uma exposição interdisciplinar aberta ao público com enfoque em aspectos distintos da cultura brasileira e da cultura afro-brasileira. "Os alunos estudaram temas relativos ao passado e ao presente da África e expuseram os trabalhos do ano inteiro", conta Adilson Garcia, diretor da escola. Apresentações de música e dança e palestras também fizeram parte do Sáfari. "Quando se fala em África, vem todo um preconceito, um desconhecimento. Por isso, é preciso mostrar visualmente a diversidade cultural do continente", completa Garcia.

A oferta de materiais didáticos que contemplem o negro já foi bem pequena, mas tem crescido nos últimos anos. "Ainda é preciso usar muito material alternativo, mas a oferta tem crescido gradativamente, principalmente entre as grandes editoras", afirma Antonio Carlos Billy Malachias, coordenador do Programa de Educação e Políticas Públicas do Ceert. Finalista da 4ª edição do Prêmio Educar para a Igualdade Racial, a professora Ellen de Lima Souza, da Escola Orbe, de Marília (SP), utilizou o livro O Menino Marrom, de Ziraldo, para tratar o tema da igualdade racial nas turmas de Educação Infantil. Os alunos reconstruíram a personagem confeccionando um boneco em sala de aula e criaram finais diferentes para a história de Ziraldo. Como resultado, a temática das relações étnico-raciais passou a ser mais valorizada na escola como um todo. Assim como livros, também há jogos e brincadeiras que podem ser usados para ampliar os conhecimentos dos alunos sobre a cultura africana. Um dele é o yoté, um jogo de estratégia muito popular na região oeste da África que desenvolve o raciocínio e a capacidade de observação.Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)) estabelecem que a diversidade cultural do país deve ser trabalhada na escola. Além disso, a lei brasileira obriga as escolas a ensinarem temas relativos à história dos povos africanos. "A pluralidade cultural é um tema que pode ser abordado de forma transversal, em várias disciplinas", explica Roseli Fischmann, que coordenou o grupo responsável pelo documento sobre este tema nos PCNs.

Há muitas possibilidades para enriquecer o aprendizado por meio da inserção da cultura negra africana. "Uma das estratégias no ensino fundamental e médio é revelar a África pela própria visão africana", diz Oswaldo de Oliveira Santos Junior, pesquisador do Núcleo de Direitos Humanos em Educação da Universidade Metodista de São Paulo. "Nesse sentido, trabalhar mitos de fundação africanos surte muito efeito, pois isso mostra que a África tem uma histórica contada por ela mesma", completa. Além dos mitos, é possível explorar aspectos

históricos, como a contribuição dos negros na alimentação do Brasil e sua influência nas palavras da nossa língua. Revelando aos alunos a riqueza da cultura africana para além dos estereótipos é possível combater preconceitos dos alunos brancos e reforçar a auto-estima dos estudantes negros. Apesar da obrigatoriedade e da multiplicidade de enfoques, a visão europeia ainda predomina em muitas das escolas brasileiras. Prova disso é a quase inexistência de bonecas negras na Educação infantil ou quantidade limitada de livros infantis e infanto-juvenis que trazem negros como protagonistas. "Isso tem um efeito bastante perverso: as crianças negras nunca se vêm e o que elas olham é sempre diferente delas", explica Roseli. Ainda que a lei obrigue a escola a valorizar temáticas de origem africana, ela é solenemente ignorada na escola, acredita Oswaldo, da Metodista. "Toda história sobre a África é feita com representações eurocêntricas, a partir de um viés europeu. Isso favorece preconceitos e a invisibilidade dos povos africanos", explica.

O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro no Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Trata-se de um feriado facultativo, mas mais de 400 cidades brasileiras já aderiram, segundo a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR, do governo federal. A escola pode fazer sua parte, assinalando que se trata de mais que um mero feriado e sim de uma conquista importante para uma parte representativa da população brasileira - os negros correspondem a 6,8% da população brasileira segundo o IBGE. Os chamados "pardos", no entanto, chegam a um número próximo da metade da população. "O dia 20 sinaliza a ideia do marco, marca o valor da conquista da liberdade deste grupo", explica Roseli Fischmann.

A lembrança de temáticas relacionadas à cultura negra deve estar presente no decorrer de todo o ano letivo, como preveem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a legislação brasileira. "Não podemos limitar a história da África a um dia ou uma parte do ano. Vejo o Dia da Consciência Negra como ápice do trabalho feito o ano todo", diz Oswaldo de Oliveira Santos Junior, pesquisador do Núcleo de Direitos Humanos e Educação da Universidade Metodista de São Paulo. Para ele, comemorar a data na escola com festa e com música, depois de um período de preparação, pode ser uma boa iniciativa para criar espaços de igualdade entre os alunos e reforçar a importância da efeméride. "Comemorar é trazer à memória, celebrar a memória de forma comunitária", acrescenta.Em 2003, a lei nº 10.639/03, tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira em todas as escolas de ensino fundamental e médio do país. A imposição se aplica a instituições públicas e privadas. A partir da sanção dessa lei, as escolas brasileiras passaram a ter que implementar o ensino da cultura africana, da luta do povo negro no país e de toda a história afro-brasileira nas áreas social, econômica e política. O conteúdo deve ser ministrado transversalmente, em todo o

currículo escolar, com ênfase nas áreas de História Brasileira, Educação Artística e Literatura. "Essa lei é uma reivindicação muito antiga e altera a Lei de Diretrizes e Bases", afirma Roseli Fischmann, coordenadora do grupo responsável pelo documento sobre Pluralidade Cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), professora da USP e da Universidade Metodista de São Paulo. "A legislação faz justiça à contribuição que esse grupo esquecido, mas importante, deu ao país", explica ela, que também é expert da Unesco para a Coalizão Internacional de Cidades contra o Racismo e a Discriminação. Segundo Roseli, a lei é um passo importante para o reconhecimento presença histórica dos negros no Brasil e no combate ao racismo. "Uma das formas de discriminar um grupo é silenciá-lo, tornando-o invisível. Isso aumenta o desconhecimento e estimula o preconceito e ignorância".

Inserir a temática negra no currículo escolar é uma forma de combater a discriminação, apontam especialistas. Pais e professores também podem ajudar a reforçar a identidade cultural de crianças e jovens negros escolhendo livros e brinquedos com essa temática. "Esses materiais didáticos podem ser introduzidos na primeira infância, quando a criança começa a brincar", diz Oswaldo, da Metodista. Assim a criança vai automaticamente entender e até apreciar as diferenças. "É preciso naturalizar esse processo", conclui.

Veja a seguir uma lista de livros para crianças com protagonistas negros.

Menina Bonita do Laço de Fita

Autor: Ana Maria Machado

Faixa Etária: a partir dos 3 anos

A autora coloca em cena, através da história de um coelho branco que se apaixona por uma menina negra, alguns assuntos muito debatidos nos dias de hoje, como a auto-estima das crianças negras e a igualdade racial.

Luana, A Menina Que Viu O Brasil Neném

Autores: Oswaldo Faustino, Arthur Garcia e Aroldo Macedo

Faixa Etária: 4 a 8 anos

O livro conta a história de Luana, uma menina de 8 anos que adora lutar capoeira, e a historia do descobrimento do Brasil. Ao lado de seu berimbau mágico, ela leva o leitor a outras épocas e lugares e mostra o quão rica é a cultura brasileira, além da importância das diferentes etnias existentes por aqui.

Tudo Bem Ser Diferente

Autor: Todd Parr

Faixa Etária: 4 a 8 anos

A obra ensina as crianças a cultivar a paz e os bons sentimentos. O autor lida com as diferenças entre as pessoas de uma maneira divertida e simples, abordando assuntos que deixam os adultos sem resposta, como adoção, separação de pais, deficiências físicas e preconceitos raciais.

O Menino Marrom Autor: Ziraldo Faixa Etária: a partir de 7 anos O Menino Marrom conta a historia da amizade entre dois meninos, um negro e um branco. Através da convivência aventureira dessas crianças ao longo de suas vidas, o autor pontua as diferenças humanas, realçando os preconceitos em alguns momentos. Diversidade

Autor: Tatiana Belinky

Faixa etária: 8 a 12 anos

O livro mostra, através de versos, porque é importante sermos todos diferentes. A autora fala que não basta reconhecer que as pessoas não são iguais, é preciso saber respeitar as diferenças.

Entrevista Raquel Gerber

Filme que traça panorama da história dos negros no Brasil ajuda

professores a abordarem a cultura africana na escola

A obrigatoriedade do ensino da História da África no Brasil torna oportuno o relançamento do filme Ôri, da cineasta, socióloga e historiadora Raquel Gerber. A película, que mostra a história dos movimentos negros no Brasil entre 1977 e 1988, foi lançada pela primeira vez em 1989. Hoje, 20 anos depois, é relançada digitalmente. Em 11 anos de documentação, com viagens pelo Brasil e pela África, Raquel fez uma extensa pesquisa cinematográfica e histórica. Seu trabalho resgata as raízes africanas do Brasil, além de apontar a importância dos quilombos na formação da nacionalidade. A fotografia original é de Jorge Bodanzky e Pedro Farkas, entre outros. A importância pedagógica de Ôri (cabeça, em iorubá) está despertando o interesse de instituições de ensino pelo Brasil. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC), por exemplo, negocia o lançamento do filme por meio da TV Escola. Usando o filme, os professores podem abordar a imensa riqueza do continente africano para além dos estereótipos. Em 2010, também está previsto o lançamento do site www.oriori.com.br, futuro banco de dados da pesquisa de Raquel, que pode servir de subsídio para professores e alunos. Nesta entrevista, a cineasta Raquel Gerber fala da contribuição de Ôri para discussão da temática negra.

1. Como foi o processo de produção de Ôri? Raquel Gerber: Iniciei Ôrí em 1977. Nessa época, final dos anos 70, a questão da consciência do homem voltava à pauta de discussões. Venho de uma tradição das Ciências Sociais que pensa as relações planetárias. Como socióloga e historiadora, sempre pensei a questão da evolução da consciência humana. Em 11 anos de documentação, estive em 4 estados brasileiros e 4 países da África Ocidental, passando pelo Senegal, Mali, Niger e Costa do Marfim. Interessava-me uma questão: a necessidade de construir a consciência humana depois da opressão. Para acompanhar o processo de desenvolvimento da consciência humana, permanecemos muitos anos nas comunidades que visitamos. Foi um processo de interação com a comunidade. Caminhamos junto com o movimento negro.

2. Qual o tema central do filme Ôri?

Raquel Gerber: Busco uma reconstrução da cultura negra. A partir de uma pesquisa de imagem, pretendia dar acesso a imagens fora dos estereótipos recorrentes na historiografia oficial. Havia uma busca de reconstrução da imagem do negro sofrido, desterritorializado. O filme

pretende rever os estereótipos, pensar numa reconstrução da imagem desse povo, numa rediscussão da imagem do estereótipo. Afinal, todo ser humano em sociedade necessita de uma auto-imagem positiva, preventiva contra a violência moderna. Buscá-la junto às culturas originais é necessário para sociedades multiculturais como a nossa.

3. Por quê Ôri?

Raquel Gerber: Ôri significa cabeça, e sua origem é o iorubá, língua da África Ocidental. A intenção era mostrar a consciência negra na sua relação com o tempo, a história e a memória.

Raquel Gerber: O ambiente da escola, a relação professor-aluno, gera uma intimidade que pode ser muito importante para essa reconstrução da imagem. De nada adiantam as leis se o homem não tiver a consciência de que é preciso se transformar e se não tiver os estímulos adequados. O professor não está preparado para lidar com os estereótipos. E o aprofundamento dos estereótipos cria um problema muito serio. Por isso, é preciso criar materiais adequados, instrumento de bons impulsos. Vivemos na era do audiovisual, por isso o filme pode ser útil. Beatriz Nascimento [ativista negra, já falecida], com quem trabalhei, dizia que a África é um continente congelado nas nossas relações, nas nossas comunicações. A África não é só pobreza, miséria. A África tem riquezas incomensuráveis. Foi lá que surgiu o homem. A ignorância em relação ao continente africano, em relação à cultura negra, é geral. Por isso, a importância da educação e do aprendizado. O filme

Ôri se constrói de forma coletiva, pode servir de material para o professor. Abre diversos temas para discussão, como o tema da religiosidade e da música africana, resgata a verdadeira e épica história dos quilombos.

5. Como o filme será distribuído?

Raquel Gerber: Informalmente, estamos oferecendo o filme para muitas instâncias educacionais, negociando com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC). Também recebemos manifestações espontâneas de interesse das Secretarias municipais de educação de Belo Horizonte (MG) e São Paulo (SP). Por meio de uma parceria com a TV Escola, o filme será oferecido como material didático para o professor. Outras propostas podem ser encaminhas para o e-mail irjgerber@sti.com.br.

Raquel Gerber: Fizemos um convênio com uma ONG de Campinas (SP) chamada NHL e com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Além disso, tivemos recursos da Lei Rouanet e patrocínio do empresário Roberto Smith, do Banco do Nordeste.

7. Como foi o processo de restauração do filme?

Raquel Gerber: É resultado do trabalho de um grande restaurador, Fábio Fracarolli, e sua equipe. Ele já tinha trabalhado com a restauração de obras de Glauber Rocha. A restauração levou 4 anos e envolveu 50 pessoas. Os negativos do filme tinham quase 40 anos.

Raquel Gerber: Ôri é um filme sociológico. Ele, de certo modo, é reflexo de toda minha formação em Sociologia, das aulas com professores como Florestan Fernandes, Francisco Weffort, Fernando Henrique Cardoso e Ruth Cardoso. A matriz do meu trabalho é Glauber Rocha, a estética da fome, Barravento [primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, que mostra um negro de volta à sua cidade natal]. Sou filha do Cinema Novo, herdeira de Glauber Rocha. Trabalhamos por aproximadamente oito anos.

O Preconceito contra a cultura negra no Brasil

1. No Brasil racismo é crime. Se alguém discriminar alguém pela cor de sua pele sofrerá ação penal por um delito inafiançável, se alguém xingar alguém de preto, será processado por injúria grave. E o que dizer do preconceito contra a cultura negra? Contra a religião afro-brasileira e contra o legado do negro na cultura brasileira? Que lei protege a cultura africana no Brasil da campanha racista que visa a sua aniquilação. 2. Senão, vejamos, o que dizer do que fazem algumas igrejas pentecostais demonizando o candomblé e a umbanda? Racismo e preconceito puro. No candomblé, religião panteísta, ao contrário do cristianismo, não há diabo, pecado, ou personificação do mal. Todavia, da mesma maneira racista com que os negros foram tratados nas fazendas de escravo do sul dos Estados Unidos, missionários da intolerância fixaram os cultos afro-brasileiros como a personificação do mal na terra, revivificando no Brasil os piores momentos da Ku Klux Klan, ao pregar, sem disfarces a intolerância e o fanatismo.

3. Falo disto com tranquilidade e com uma visão sociológica e política, como não sou membro de nenhuma das duas religiões, e defendo que cada pessoa tenha acesso a sua religiosidade como algo privado e como um direito sagrado de cada homem, não defendo uma contra outra. Defendo a tolerância contra a intolerância. Só não defendo a tolerância contra os intolerantes. E esta forma de intolerância religiosa fanática está livre no Brasil, para fazer suas vítimas e pregar uma forma fascista de ataque a crença do próximo e de não convivência pacífica. E não vejo este tipo de ataque a outras religiões como o budismo ou o islamismo. 4. Mas o ataque aos cultos afro-brasileiros, na verdade, é apenas a ponta do iceberg do racismo velado que existe neste país. A lei do racismo é um avanço, mas, de fato, apenas jogou para debaixo do tapete a sujeira. O preconceito contra o negro não é só preconceito de pele, ele se perpetua porque é, acima de tudo, preconceito contra a cultura negra e contra o legado do negro no Brasil.

5. Por que os italianos vindos ao Brasil são imigrantes e os negros vindos de Angola, Guiné Bissau, Zaire e de outros países africanos não têm o mesmo tratamento nos livros de história. Não há nenhuma emigração negra na história do Brasil. Ainda que escravos, os negros são emigrantes e impuseram sua cultura com mais força e mais influência do que italianos e alemãs. Estes, brancos, têm suas tradições culturais festejadas como transplantação da cultura europeia. Aqueles, de pele negra, tem suas dádivas vistas como folclore. Ora, porque a dança alemã e o chucrute não são folclore, e o acarajé e o jongo são?

6. A desqualificação como folclórica da influência negra, o preconceito contra as religiões afro-brasileiras, o desconhecimento da importância do negro para a nossa cultura (toda nossa culinária é influenciada pelos negros e só tomamos banhos diários por conta dos negros e dos índios, pois os europeus vindos para cá eram bem sujos), a desqualificação do seu legado (como

querer branquificar o samba, como se ele não fosse, em sua roupagem original, uma música negra adotada pelos brancos) só serve para basicamente manter e perpetuar o preconceito contra o negro no que ele tem de mais profundo: A FALTA DE ORGULHO DO NEGRO POR SUAS ORIGENS, SUAS CRENÇAS, SEU LEGADO, SUA IMPORTÂNCIA para que este país fosse o que é hoje.

7. Tão importante quanto lutar contra o preconceito contra a cor de pele é lutar contra o preconceito contra a cultura, lutar contra a intolerância religiosa e cultural.

8. Só um país que se aceite multifacético em sua cultura, ombreando a influência do emigrante negro ao do branco no Brasil, poderá extirpar, para sempre, este cancro do racismo das plagas brasilianas.

Considerações finais

É preciso acabar com a noção de que os negros são sinônimos de criminalidade, samba, pagode, moda, religião (candomblé), faxineiras, serventes etc., contribuindo, no máximo, como incentivadores da preservação de sua cultura. São necessárias iniciativas para frear e acabar com o racismo no Brasil, principalmente do auxílio da escola, dos meios de comunicação e da educação em geral. O papel da escola é de fundamental importância no combate ao racismo. O racismo que se infiltrou pode, da mesma forma, ser retirado do nosso convívio se houver uma participação clara e ativa da população. Não se trata de utopia, mas de um objetivo a ser alcançado, o qual deve, acima de tudo, eliminar os seguintes dados de uma vez por todas do cenário brasileiro [4]:

- Cerca de 60% dos negros brasileiros estão na faixa de analfabetismo; - Apenas 18% dos negros tem possibilidade de ingressar na universidade;

- A expectativa de vida dos negros é de apenas 59 anos (brancos 64 anos);

- A qualidade de vida do Brasil o leva a ocupar a 63ª posição mundial, separando só a população negra o Brasil passa a ocupar a 120ª posição;

- 15,5% dos réus negros respondem em liberdade (brancos 27%);

- O negro é o primeiro a entrar no mercado de trabalho e o último a sair;

- A participação do negro em áreas "elitizadas" é ínfima;

- As mulheres negras ocupadas em atividades manuais representam 79,4% do total;

- Apenas 60% das mulheres negras que trabalham são assalariadas;

- As condições de moradia dos negros são quatro vezes pior que a dos brancos;

- Dentre a população negra economicamente ativa apenas 6% está ocupada em atividades técnicas, científicas, artísticas, administrativas;

- Muitas mulheres negras saem do país como artistas e são recebidas como prostitutas;

- As mulheres negras estão nas piores condições de vida do país.

Sem dúvida, a melhor arma para acabar, a longo prazo, com o fantasma do racismo e da discriminação racial é a educação, seguida do respeito à igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, conscientizando o novo cidadão de que a cor da pele ou determinadas características humanas não fazem do indivíduo uma pessoa melhor ou pior, muito menos indigna dos mesmo direitos que lhe assiste. A cidadania deve ser plena para todos: negros, brancos, favelados, ricos e pobres.

FONTES:

https://pt-br.facebook.com/ReajaOuSeraMortoReajaOuSeraMorta

http://www.dw.de/entenda-o-caso-michael-brown-e-os-protestos-em-ferguson/a-17861142

http://www.jb.com.br/comunidade-em-pauta/noticias/2014/08/27/o-caso-michael-brown-e-a-hipocrisia-no-brasil/

http://www.cartacapital.com.br/internacional/ferguson-morte-de-adolescente-negro-acirra-tensao-racial-nos-eua-363.html

http://www.dw.de/restri%C3%A7%C3%B5es-a-rep%C3%B3rteres-p%C3%B5em-em-quest%C3%A3o-liberdade-de-imprensa-em-ferguson/a-17867851

http://www.dw.de/vel%C3%B3rio-de-michael-brown-re%C3%BAne-milhares-em-dia-sem-protestos/a-17878401

http://reajanasruas.blogspot.com.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_afro-brasileira

http://www.coladaweb.com/sociologia/a-situacao-do-negro-no-brasil

http://blogueirasfeministas.com/2012/11/as-conquistas-do-povo-negro-e-a-valorizacao-de-sua-identidade/

http://www.grandecampina.com.br/2013/08/nos-caminhos-afro-do-fotografo-frances.html

A representação do negro na política brasileira

http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/consciencia-negra-511253.shtml

http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/entrevista-raquel-gerber-512985.shtml

http://jus.com.br/artigos/5227/direitos-humanos-no-brasil/1

http://uni-todos.blogspot.com.br/2011/09/feitura-de-santo-candomble.html

http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/isabel-fillardis-e-flagrada-em-terreiro-de-candomble/?cHash=20e6f0d0cdc3818800cf8d2165c4f4f6

http://comunidadeafricabrasil.blogspot.com.br/2014/05/mais-uma-conquista-para-povo-afro.html

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/04/regina-case-lamenta-morte-de-dancarino-do-programa-esquenta.html

http://www.juventude.gov.br/juventudeviva/noticias/23-12-2013-publicacao-mapa-da-violencia-homicidios-e-juventude-no-brasil-apresenta-diagnostico-da-violencia-contra-jovens

ÁVILA, F. B. de. Pequena enciclopédia de moral e civismo. 2ª. Ed. Fename. Ministério da Educação e Cultura. Rio de Janeiro: 1972.

BARR, N. Pessoas em transição: reformando a educação e a saúde - Finanças & Desenvolvimento, FMI/Banco Mundial, Washington: setembro 1996

BÍBLIA SAGRADA. Carta aos Hebreus: 13,3.

BLECHER, B. Programa reduz trabalho infantil. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo. SP: 08.02.2000. BOSON, G. de B. M. Internacionalização dos direitos do homem. 1ª ed. São Paulo: Editora Sugestões Literárias S/A, 1972.

BRUGGER, W. Dicionário de filosofia. 3ª. Ed. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda., 1987.

CARVALHO, P. A. E. Algumas linhas sobre o direito à resistência. Revista Brasileira de Ciências Criminais - nº 12, out-dez 1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

CENEVIVA, W. Direito constitucional brasileiro. 2ª. Ed. São Paulo: Editora Saraiva,1991.

COELHO, E. C. A oficina do diabo: crise e conflitos no sistema penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IUPERJ/Espaço e Tempo, 1987.

COMPARATO, F. K. A nova cidadania. Revista Lua Nova, nº 28/29, São Paulo: Cedec, 1993.

CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA. Censo Penitenciário Nacional 1994 - Resumo do Quadro Indicador do Censo. Brasília: Ministério da Justiça, novembro de 1994. DALLARI, D. de A. O que é participação política? . 4ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

EVELIM, G. O verdadeiro Cabral. Revista Isto É, nº 1469, edição on-line de 26/11/97.

FERNANDES, N; CHOFARD, G. Sociologia – geral – jurídica – criminal. vol. 1. São Paulo: Ed. São Paulo, 1995.

FIELD, G.C., Teoria política. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1959.

FIOCCA, D - A mão de obra custa pouco no Brasil, Folha de São Paulo, 14 de fevereiro de 1996.

FREYRE, G. Introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil. Casa Grande & Senzala, In Obras Reunidas de Gilberto Freyre, 10º ed., Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1961.

MORENTE, M. G., Fundamentos de filosofia. 5ª. Ed. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1976.

HARTMANN, N. Das problem des geistigen seins. Walter Gruyter & Co. Berlin: 1949. SILVEIRA, W. Índios, outros 500. Jornal Folha de São Paulo, 18/04/1999, São Paulo, SP.

JACQUES, P. Curso de direito constitucional. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1987.

LIMA, H. Introdução à ciência do direito. 27ª ed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1983.

MARITAIN, J. Humanismo Integral – uma visão nova da ordem cristã. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945.

MARITAIN, J. A filosofia moral. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1964.

MARITAIN, J. Os direitos do homem e a lei natural. 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1967.

MOTT, Luiz Roberto. Homofobia: a violação dos direitos humanos de gays, lésbicas e travestis no Brasil. Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas. São Francisco, Califórnia: 1997.

NASCIMENTO, N. A justiça e o fim da repressão. Curitiba: Editora Beija-Flor, 1983.

NOGARE, P. D. Humanismos e anti-humanismos. 12ª ed., Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1990.

NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA. Os Direitos Humanos no Brasil-2. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995.

O racismo no Brasil - As dificuldades do negro no mercado de trabalho - http://www.milenio.com.br/ingo/ideias/direitos/racismoc.htm

POPPER, K. R. Conjecturas e refutações. 3ª. Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA -

Governo Fernando Henrique Cardoso. Uma estratégia de desenvolvimento social. Brasília: 1996.

REALE, M. Filosofia do direito. 13ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1990.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Relatório sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil. Secretaria Geral. Organização dos Estados Americanos: 1997

ROSS, J. L. S. (Org.). Geografia do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: 1995.

VASQUEZ, A. S. Ética. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1969.

SEADE - Secretaria Estadual de Análise de Dados, São Paulo, SP. São Paulo-Mulheres-Dados- Trabalho e Renda, Estudos Especiais, Ano-base: setembro de 1997.

SILVA FILHO, J. L. F. da. Gestão participativa e produtividade: uma abordagem da ergonomia. Tese Submetida à Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do grau de doutor em engenharia. Florianópolis: 1995.

UBALDI, P. A grande síntese. 168ª ed. Campos: Editora FUNDAPU, 1990.

UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL – Slavery in Brazil. Commission on Human Rights, Sub-Commission on Prevention of Discrimination and Protection of Minorities Working Group on Contemporary Forms of Slavery, Twenty Third Session, Geneva, May:1998.

WEISS, P. A liberdade do homem. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1960.

ZAFFARONI, E. R. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 1991.

http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=45

http://sisejufe.org.br/wprs/2013/03/o-preconceito-contra-a-cultura-negra-no-brasil/

https://www.facebook.com/ContraOGenocidio/

http://racismomata.org/

https://www.facebook.com/ReajaOuSeraMortoReajaOuSeraMorta

http://www.historiadigital.org/noticias/documentario-registra-rituais-de-candomble/

http://www.palmares.gov.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Amarildo

http://www.geledes.org.br/questoes-de-genero/mulher-negra/

Notas

1 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Ed. Revan: Rio de Janeiro, 1991.

2 SEADE - Secretaria Estadual de Análise de Dados, São Paulo, SP. São Paulo-Mulheres-Dados- Trabalho e Renda, Estudos Especiais, Ano-base setembro de 1997.

3 Fonte: O racismo no Brasil - As dificuldades do negro no mercado de trabalho - http://www.infojur.ccj.ufsc.br/arquivos/Direitos_Humanos/racismo_no_brasil.html

4 Fonte: O racismo no Brasil - As dificuldades do negro no mercado de trabalho - http://www.infojur.ccj.ufsc.br/arquivos/Direitos_Humanos/racismo_no_brasil.html