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O mar pode ter vida própria ou pode ser apenas...Mar-Espelho
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Variações sobre o Mar-Espelho
Nada tão variável nestes Açores como o tempo.
Lembras-te, estimado ouvinte, ontem um dia saboroso, encantador, cheio de sol sem ferir, nem vento de rasgar,diáfano, rutilante e concretizador.
Podiam contar-se, um por um, os franjais das nuvens na
lentidão do dia...
Os verdes, do vale à serra, tinham postas as mãos numa esperança ubérrima...
E a promessa dos trigais maduros tinha posta a mesa, grão em grão das tulhas cheias...
Ei! vaca p'ra diante!
O dia foi todo cor de leite...
Tingido com azul de céu sobre a cabeça, e rumos de azulina igual além do mar...
Oh! Padre Nosso!
O pão de cada dia nos dai hoje!
... ........... ........ .........
Hoje! Nada tão variável nestes Açores como o tempo!
Na hora em que pesponto na sebenta este dizer, o céu está pesado...
As núvens são de cinza...
E a gente sente em nós coberta a alma em pesadelos fundos...
O ar é saturado de não sei que aroma, estrangulando em ais.
Isto é verão, o sol virá, mas enquanto se demora, dá-nos vontade de gritar alto, muito alto...
Ar! Ar!
Abram-se as janelas das nuvens e deixem-no passar.
Não pode ser cinzento o dia que é de sol,
este domingo em Julho...
Parece estar fechada a terra em círculo de orgulho,
que é vesgo e pesa mais que a cruz...
Um dia assim tem cheiros de cadáver...
E é nossa, muito nossa, a vida...
É muito nossa a luz...
Deixem-na passar!...
E vou abrir os braços à janela...
Ai! a cor azul !
É ela...
Titubeante e frágil,
esmaecida em gris,
a cor azul no mar...
que ontem era cristalino e puro
transparente e subtil.
O mar! Oh! mar ! Oh! mar!
E sem querer eu ouço-me cantar:
Quebram-se as ondas verdes,
uma a uma,
contra o rochedo forte que as possui
Entre lençois de espuma...
A praia, abandonada, empalidece
E tudo à sua volta se dilui
Num fundo azul de prece...
O mar canta saudades sobre a areia
E sem mesmo saber como explicar
Encontro-me a falar de certa ideia
Sózinho, como um louco, à beira-mar.
Tanto espaço vazio! É tempo de construir;
Quero esculpir no bronze e modelar na lama
Viver não é passar e é mais do que existir
É ser uma centelha a refulgir na chama!
Este domingo é o dia do mar.
Na Palestina não foi bem do Mar Oceano...
apenas do Lago de Genesaré...
e nele uma barca para o sermão,
e mais outra e as redes, para as duas,
cheias de milagre,
transbordarem de peixe pescado em dia...
porque de noite, em vão, saiu pescaria atroz!
Que importa o espanto de Pedro, se ele é homem de ter na boca a voz que tem no coração:
Afasta-te senhor de mim. Que sou um pecador!
Afastar de ti? Nunca tão unidos!
És pescador de peixes...
Estás na barca...
e sê-lo-ás para sempre...
pescador de homens...
Para pescar peixes lançaste a rede...
E foste destro e colheste...
Para pescar homens lançarás a palavra...
e farta há-de ser a pesca.
Ao primeiro dia, mais de três mil,
em frente do Sinédrio incrédulo e deicida...
E quando a cruz for, de ti, como de mim, a herança,
terás subido a encosta deste mundo agónico...
Leva a luz que eu sou no mar da vida,
guardada nesta barca sem ter fenda, a minha igreja...
E os polos hão-de unir-se à margem deste lago de amor
sempre tranquilo, o coração que é meu para te dar...
E as gentes comerão... o peixe assado nas chamas desse lago, que é de fogo...
o coração que é meu para te queimar
-de gozo- eternamente.
O mar! Ai o mar,
açorianos, somos os filhos do mar...
Cada ilha é uma barca...
e é margem.
E nós somos quem deve escutar!
e ai de quem não se embarca
Calderon de la Barca afirmou
El mejor amigo, el mar!
Muito mais quando nele está embarcada a fonte da amizade,
Cristo,
rei e centro de todos os corações
para a pescaria divina
nas malhas do amor eterno.
Também eu digo, com Ruben Dario
Mar! Mar fraternal! Mar santo;
Mi alma siente la influencia de tu alma invisible...
Mar! O Mar.
Arremedo tenebroso da insondável eternidade!
Mar! O mar.
Um céu de água
onde Cristo embarcou,
por entre o bem e a mágoa
da barca-em-cruz
que nos levou
ao porto da sua luz!
Mar! Oh! Mar dos Açores
em pescaria de amores
nas redes do amor
De Cristo, Nosso Senhor!
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Crédiots: Dionísio de Sousa contacto:dionisiomendes@gmail.com