FERNANDA FIGUEIREDO

& EDUARDO MATTOS

Works 2015 -2010

Works 2009 -2006

Obra de uma única banda*

Um ensaio sobre a obra audiovisual de Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos.

Bruno Mendonça, 2012

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*obras de uma única banda são aquelas que precisam apenas de um monitor ou tela para exibição.

No excerto “O vídeo maneirista” de Philippe Dubois em seu livro “Cinema, Vídeo, Godard” (2004) o pesquisador faz um desabafo pessimista sobre a produção em vídeo-arte a partir dos anos 80.

Em seu texto Dubois coloca a televisão, a publicidade, as novas tecnologias e as mídias contemporâneas em geral como as grandes vilãs na assimilação massiva das linguagens poéticas criadas pelo vídeo nas últimas décadas para o que segundo o autor se tornou um pastiche dentro da comunicação de massa.

Ele aponta para uma a-topia na produção audiovisual das novas gerações artísticas remetendo a um certo esvaziamento do caráter crítico/político na produção videográfica contemporânea. Em particular aponta negativamente para uma linguagem ainda em constante uso e da qual acredito em sua força enquanto linguagem poética, crítica e ferramental – o videoclipe.

Dubois diz: “O clipe cumpriu um papel terrível neste sentido, apagando totalmente o trabalho de uma parte da pesquisa videográfica. Em suma, a televisão, que possui o mesmo suporte, esvaziou o vídeo muito mais do que fez com o cinema, que continua sendo-lhe ontologicamente heterogêneo”.

Se contrapusermos a afirmação de Dubois por pesquisas mais otimistas em relação à problemática do audiovisual na cultura contemporânea, como é o caso do teórico Raymond Bellour em seu livro “Entre-Imagens” de 1997, poderemos constatar também uma corrente mais interessada nos hibridismos que a imagem audiovisual tem encontrado nas últimas décadas.

Em âmbito nacional podemos citar o importantíssimo livro “Extremidades do Vídeo” da pesquisadora Christine Mello e em especial os debates gerados pela artista Raquel Garbelotti nos últimos anos sobre o que ela vem propondo como um “cinema de artista”.

Este panorama é muito importante para compreendermos a produção audiovisual da dupla Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos, objeto de estudo deste ensaio. Creio eu, que a dupla se encontra na mão contrária à colocação de Dubois.

Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos se encontram neste local “entre” onde uma nova tipologia de artista se faz presente na contemporaneidade, na qual uma condição pós-midiática permeia os processos de criação e produção.

Neste sentido podemos pensar de fato que não há apenas uma, mais várias tipologias de artistas, pois se temos cineastas que levam para o cinema uma experiência de videoclipe como é o caso de Michel Gondry, Sofia Coppola, entre outros.

Temos também uma produção dentro do campo da arte contemporânea que borra e complexifica a imagem audiovisual contemporânea, realizando verdadeiras imbricações entre cinema, vídeo-arte, videoclipe, música, teatro e as mais diversas disciplinas como é o caso de artistas como Karen Cytter, Mathew Barney, Emily Wardill, Mai Thu Perret, entre outros.

Além disso, temos outras produções complexas que ficam de fato entre o entretenimento e a comunicação de massa, e o campo específico da arte contemporânea, levando para outros ou vários contextos a produção audiovisual contemporânea, como é o caso dos projetos Fischerspooner e Planningtorock, e do videomaker Andreas Nilsson por exemplo.

As obras de vídeo da dupla Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos também têm este flerte com diversos campos de criação, como o cinema, a música, o videoclipe, o desenho, a ilustração e a publicidade.

Em certo sentido as obras dos artistas revelam uma conexão extremamente forte com esta geração, uma geração da qual eles pertencem e que vivenciou de forma astronômica o aparecimento das novas tecnologias cada vez mais acessíveis e possíveis e a digitalização e virtualidade da imagem.

Por outro lado, é uma geração que de fato presenciou uma crescente intersecção entre conteúdos e linguagens vindos da comunicação de massa com outros mais específicos do campo da arte, relações muito mais profundas e abrangentes do que as que a pop art de forma interessante tentou provocar e que a arte-mídia em seu início possibilitou.

Esta geração mais precisamente pós anos 90, assim como assimilou de forma ágil esses hibridismos e esse caráter interdisciplinar dentro do campo da criação artística e se viu também frente a um avanço tecnológico irreversível, criou um movimento também de caráter estético, muito interessante de análise, que nasceu como resultado desta multiplicação de linguagens, o indie no qual vejo uma forte influência na produção da dupla.

Desde seus primeiros trabalhos existe uma estética muito conectada a essas linguagens e questões levantadas. A obra de Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos sempre manteve esta relação com uma visualidade e uma poética criada a partir de diversos símbolos de uma indústria cultural, mas também sempre com um hiato entre, e que muito diferente de algum editorial de moda ou publicidade ou um vídeocolipe existe em seus trabalhos na verdade uma subjetividade, uma intimidade e um espaço que torna suas imagens de certa forma desconfortantes, porém sempre à segunda vista.

Esta sensação de desconforto vem também de um jogo que os artistas realizam em seus trabalhos entre tempo e narrativa, no sentido que suas “não-narrativas”, ou narrativas fragmentadas também com uma questão de tempo que não se enquadra a nenhum segmento ou categoria fílmica e videográfica. Em vídeos como “Cul de Sac”, “Weighless” e “Breathless” isso se torna muito visível, algo que fica entre o trailer, o teaser e o videoclipe.

Em seus vídeos mais recentes estas estratégias se tornam ainda mais presentes. Aproximo de alguma forma a produção audiovisual de Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos com uma colocação do crítico Daniel Birnbaum sobre o trabalho da artista Karen Cytter à revista ARTFORUM em março de 2010, que acredito que se aplique muito ao trabalho da dupla, Birnbaum diz:

“Cytter não está tentando ser teoricamente subversiva, ela está dramatizando o novo normal”.

Acho que a dupla Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos partilha desta mesma problemática e a meu ver se encaixa no que Christine Mello aponta como um “vídeo em pensamento” no sentido de que “as mais variadas manifestações sensíveis dialogam na contemporaneidade com o tempo e o espaço do vídeo”.

Referências Bibliográficas:

BELLOUR, Raymond. Entre-Imagens. Papirus, 1997

BIRNBAUM, Daniel. True Lies. ARTFORUM, 2010.

DUBOIS, Philippe. Cinema, Vídeo, Godard. Cosac Naify, 2004.

GARBELOTTI, Raquel. in(audíveis). USP, 2011.

KRAUSS, Rosalind. Perpetual Inventory. The MIT Press, 2010.

MELLO, Christine. Extremidades do Vídeo. Editora SENAC, 2008.

Bruno Mendonça é artista multimídia e pesquisador. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e graduado em Comunicação Social pela Universidade Mackenzie, trabalha atualmente como pesquisador na área de Comunicação e Artes pela CAPES e é pesquisador cadastrado pelo CNPq. Colabora com os grupos “Arte e Meios Tecnológicos” (Faculdade Santa Marcelina) e “Comunicação e Criação nas Mídias” (PUC-SP). Além disso, coordena a plataforma artística sobrelivros em parceria com os artistas Rafaela Jemmene e Roberto Fabra no espaço Casa Contemporânea em São Paulo. Atuou também como produtor cultural em projetos de diversas áreas e em instituições públicas e privadas.

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Dramaturgia do desejo

Margarida Sant’Anna, 2007

Se a fotografia moderna reivindicou uma legitimidade e assim uma autonomia como meio artístico, hoje ela transborda seu próprio território e transgride as fronteiras do meio. O que marca a trajetória bem-sucedida de Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos é a coerência de percurso no uso da fotografia como linguagem. Três eixos guiam as especulações desses artistas: a tensão entre linha, plano e volume, a cultura de massa como referência e o jogo entre narrative visual e autonomia do fragmento.

Relevo, impressão, fotografia

A experimentação do corpo como suporte de uma pintura corporal levou-os às silhuetas de batom sobre a pele. Surgem então dois registros de cristalização: uma monotipia sobre vinil transparente, espécie de sudário, no qual se guarda a memória do desenho, e a fotografia.

Pouco a pouco, outras soluções são colocadas em prática, como o recurso do positivo-negativo, remetendo à própria especificidade da fotografia, a acentuação do volume do corpo-suporte pela incisão da luz e a exploração da paisagem epidérmica a partir de dobras, pêlos, poros. A busca por partes do corpo menos lisas e a opção por pontos de vista oblíquos desestabilizam e inquietam a percepção, como em Uma tarde eu soube que podia amar você. Em obra sem título, a assemblage de fragmentos de uma superfície (o corpo) constrói uma vasta paisagem descontínua. Uma retórica da carne anima essas imagens, conferindo-lhes uma surpreendente potência visual.

Em outros trabalhos, Fernanda e Eduardo introduzem, lado a lado, desenho e fotografia, criando tensões e correspondências inusitadas. Mais do que nunca, a cor aquece e dá materialidade às cenas. Em obra sem título, sombra pintada e sombra fotografada se conflitam.

O recurso da mancha de batom na superfície branca lembra filmes expressionistas, nos quais as sombras exageradas eram pintadas no chão. A luz, que raramente preenche um ambiente fotografado, escolhe um ponto exato de incisão, reservando à grande parte do campo a escuridão. À geometria dos interiores (portas, janelas, espelhos) corresponde o desenho preciso da claridade. Zonas de penumbra remetem muitas vezes aos sentimentos dos personagens.

Em Naquele lugar onde ninguém ousa ir, a sobreposição de um motive decorativo, tão plano quanto o tapete e a parede, acentua a distância da cena ao lado, numasolidariedade profunda entre próximo e distante, real e imaginário, concreto e abstrato: interessante associação entre Edward Hopper e Matisse.

Da cultura de massa: referências e homenagens

Pouco a pouco incorporam aos desenhos de batom uma iconografia que já prefigura os still-drama: homens e mulheres em cenas banaisremetem a um questionamento da vida conjugal. As imagens constituem uma espécie de diário da vida a dois, celebrando os valores do íntimo. Uma forma curiosa em que a vida alimenta a ficção, a ficção não sendo senão um outro momento do real. Nesse processo de dramatização do cotidiano, exibem estereótipos da cultura de massa. O recurso do desenho sintético associado ao texto dos títulos remete às histórias em quadrinhos, filiação de um modelo icônico e plano. Os fotogramas exploram o aspecto narrativo, servindo-se de códigos da fotonovela, pelo adensamento de informações numa imagem-síntese, e do cinema, sobretudo pelo enquadramento e plano aproximado.

Na matéria ficcional retrabalhada de A primeira noite de um homem, a foto central remete ao zoom cinematográfico, acentuando a herança cultural. Em três fragmentos demonstram que um imaginário não se alimenta de temas, mas de modos de narrar.

A investigação conduzida sobre a subjetividade tem o poder ainda de desencadear no espectador uma série de outras imagens, abrindo a porta da imaginação para o universo do erotismo. A foto funciona assim como vetor do imaginário, “intercessora” entre o visível e o não revelado. A partir de cenas banais de intimidade, o desejo de fotografar-se une ao nosso desejo de ver.

Da montagem cinematográfica ao encadeamento musical

A produção mais recente parece caminhar para um sentido mais abstrato do conteúdo e uma maior depuração da forma. O princípio ordenador da seqü.ncia de Casal I e Desculpe por rir tende a uma desconstrução da narrativa. O encadeamento é “musical”, uma questão sobretudo de ordenamento de notas/cores, ritmo, progressão e menos de narratividade: mais composição do que intriga. Cada pedaço de vida desses personagens, inclusive do céu, funciona por uma lógica própria.

Em Casal I, pontuam a passagem do tempo, inscrita na imagem, mesmo não sendo imediatamente perceptível. Cada fragmento é um instante sempre novo. A elipse entre um fotograma e outro explicita a unicidade de cada momento e, em conjunto, o tempo transcorrido. Impossível não pensar nos céus de Stieglitz (Equivalents) ou de Godard e de Gus van Sant.

Em Desculpe por rir, nosso olhar tenta buscar um sentido possível diante de um enigma. Enigma porque silêncio e prosaísmo. Um sentiment de deslocamento com o cenário, apesar da familiaridade dos objetos, permeia essas figuras. Já não são mais representações de momentos-clímax, mas de instantes indiferentes que perdem uma significação imediata.

Algo de melancólico permeia esses trabalhos. Sem dúvida, ao darem um pensamento do mundo, Fernanda e Eduardo criam comentários sobre o ambiente afetivo, no qual se insere o sujeito individual.

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